sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

MAIS BOM SENSO E LUCIDEZ PARA 2022

 

Mais um ano chega ao fim. E foi um ano e tanto. Ao final do ano passado, desejei que 2021 trouxesse a vacina para a COVID-19 e também mais bom senso e lucidez às pessoas. As vacinas chegaram e salvaram muitas vidas. O bom senso e a lucidez, por sua vez, seguem “em passos formiga e sem vontade”.

Essa semana, quase dois anos após a chegada do coronavírus à Terra Brasilis, recebi um vídeo ainda defendendo o uso de vermífugos como tratamento para a COVID e depondo, sempre com mentiras sensacionalistas (é claro), contra a vacina. O Brasil é um país modelo em campanhas de vacinação. Já erradicamos doenças antes fatais, através da vacinação em massa.

De repente, no meio de uma pandemia, as pessoas resolveram questionar insistentemente a eficácia de vacinas que já provaram salvar vidas. Os argumentos são os mais frágeis: – “foram produzidas muito rápido”, dizem alguns. Sim, o mundo parou por causa de uma pandemia. Consequentemente, os cientistas debruçaram todos os seus esforços em encontrar uma vacina que pudesse minimizar os danos de um vírus novo e muito agressivo. Além da união de esforços, hoje temos tecnologia muito mais avançada do que há dez, vinte, trinta anos.

Outros dizem que “não há 100% de eficácia comprovada”. Genteim, não existe 100% de eficácia comprovada em coisa alguma nessa vida.  Além disso, as vacinas não evitam a contaminação. O que evita o contágio é o uso de máscara, a lavagem de mãos, o uso frequente de álcool em gel e evitar aglomeração de pessoas. As vacinas, por sua vez, colocam nosso corpo em melhor condição de combate, para contra atacar o inimigo invisível, caso não consigamos escapar dele.

Ao final de 2021 não é mais aceitável ficar discutindo o indiscutível. Como declarou a infectologista Luana Araújo, discutir o uso de medicamentos sem comprovação científica para tratar a COVID é "delirante, esdrúxulo, anacrônico e contraproducente [...] É como se estivéssemos discutindo de que borda da terra plana vamos pular".

Para 2022 almejo menos do que desejei para 2021, uma vez que vacinas já temos. Espero apenas que tenhamos todos mais bom senso e lucidez. Tratamento precoce é máscara no rosto, cobrindo boca e nariz. O resto, é conversa pra boi dormir. Que na contagem regressiva todos os antolhos desapareçam, que a vida siga seu curso e cada pessoa compreenda que é responsável por todas as vidas. Feliz 2022!!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

VIVA O FIM DE ANO, APESAR DA CORRERIA 😉

 

Todo ano é a mesma história, passou setembro as pessoas já começam a dizer que o final do ano está aí. Vivemos como o coelho de Alice, sempre correndo e muito apressados. Sabemos que não somos eternos. Mesmo assim, facilmente deixamos as coisas verdadeiramente importantes para depois. Deixamos para visitar os amigos quando sobrar um tempinho, para escrever uma mensagem quando terminarmos as tarefas intermináveis, para dizer que alguém é importante quando já não há mais tempo. Tocar a vida não é viver.

É fato que trabalhar é importante e necessário, que muitos temos famílias para sustentar e não dá pra perder tempo, nem dinheiro com futilidades. Mas, não estou falando de gastar tempo ou dinheiro com tolices. Falo de outros investimentos, como o tempo partilhado, a gentileza, o desejo de bom dia para um vizinho, o sorriso para a moça do caixa. De parar para brincar com as crianças, jogar conversa fora em torno da mesa, mandar um alô para os amigos. De aquietar para ler um texto, ver um filme, ouvir uma música. Falo de estarmos conectados em tempo real, com o mundo real, porque dessa vida só levaremos nossas memórias.

Fim do ano é 31 de dezembro. Ainda faltam alguns dias para que este ano termine. Mas será só o final de mais um ano, não o apocalipse. Se não conseguirmos finalizar algumas tarefas, haverá um novo ano todinho pela frente. Vale lembrar (tento me convencer disso todos os dias, mas não é fácil) que outros podem finalizar as tarefas inacabadas, mas ninguém pode viver nossa vida por nós.

Antes do fim do ano ainda temos o Natal e uma semana todinha pela frente. Penso que o importante é celebrar a vida, com a saúde que se tem - por vezes potente, outras nem tanto -, no lugar onde se está, cuidando ou sendo cuidado, acompanhado ou sozinho. Celebrar porque se está vivo, porque nessa condição ainda podemos fazê-lo.

Aproveite os últimos dias do ano. Pise no freio. Por mais que aceleremos, o ano vai acabar, o mundo não.  Viva o momento presente, seja você o presente!! Valorize as pequenas coisas, se alegre com o que é capaz de realizar. Não dependa dos outros para ser feliz, mas seja feliz com os outros, pelos outros. Que seu Natal e o fim do ano sejam bons,  em qualquer lugar, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê!!

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

A PÓS-VERDADE TORNOU O DIÁLOGO IMPOSSÍVEL

 

A arte sempre fez parte da minha vida, especialmente a música e literatura. Eu não toco nem caixinha de fósforo, mas meu pai era um exímio guitarrista e ainda arrisca seus solos no violão. A casa dos meus pais sempre foi muito musical, meu pai ouvia rock instrumental e orquestras, minha mãe gostava de Roberto Carlos e Elis Regina.  Eu virei o mix dos dois e vivi a efervescência do rock nacional dos anos 80.

Minha banda favorita, desde a adolescência, sempre foi a Legião Urbana. De todos os discos, Legião Urbana Dois é o meu preferido. Na última faixa do Legião Urbana Dois, Renato Russo canta, com sua voz grave: Quem me dera ao menos uma vez/ Provar que quem tem mais do que precisa ter/ Quase sempre se convence que não tem o bastante/ Fala demais por não ter nada a dizer.

Legião Urbana é tão anos 80 e tão 2021 que nem sei explicar. Nem precisa de explicação, é só cantar, pensar e sentir. Legião Urbana não é incontestável, mas é real demais. E ser real demais em tempos de falsas verdades, é um perigo. Talvez, por esta razão, tenta-se desacreditar a arte, a educação, a ciência, bem como os artistas, os educadores e os cientistas.

Que mundo bacana seria este se nossos jovens aprendessem a ler e compreender o que leram em livros, letras de músicas e obras de arte. Se esse exercício de ler e presumir, ouvir e discutir, observar e refletir, fosse uma constante na vida cotidiana de nossas crianças e jovens, seria suficiente para que soubessem distinguir realidade de ficção, metáfora de pensamento concreto, verdades de falsas verdades. 

Em 2016 o Dicionário Oxford cunhou um termo que resume esses tempos estranhos e paranoicos que andamos a viver no Brasil e no mundo. A pós-verdade (post-truth) denota circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência na opinião pública que o apelo às emoções e às crenças pessoais. 

Em tempos de Fake News já não importa que a notícia veiculada seja falsa, contanto que ela se encaixe no que eu acredito, naquilo que eu sinto que deva ser a verdade. Penso que essa é a síntese da pós-verdade. No mundo da pós-verdade já não são os fatos que organizam as coisas e sim as percepções e os sentimentos, por mais absurdos que eles possam ser.

Em época de pós-verdade, não há como contestar qualquer argumento com fatos ou evidências científicas, uma vez que esta se sustenta em achismos e não em evidências. A pós-verdade tornou o diálogo impossível. O mundo evoluiu até aqui com a ciência porque ela é questionável, porque suas verdades não são absolutas. Mas no mundo da pós-verdade, se eu achar que é, então é. E não há como contradizer isso, pois eu não preciso provar nada, preciso apenas sentir que algo é verdade. Tudo que a pós-verdade não é, é libertadora. 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

AS CORES E AS CAUSAS DE SETEMBRO

Setembro é um mês que invade os sentidos. Chega trazendo o cheiro das flores de laranjeira, o canto dos pássaros em festa, as cores das azaleias, dos ipês e das orquídeas.  É um mês de muitas cores, muitos sons, muitos sentidos e significados. A definição de significado, porém, não é simples, pois tem relação com reconhecimento, com apreço, com importância. E importância, é juízo de valor. O que é importante para mim, pode não ser para você que me lê. Do mesmo modo, algo pode ter um significado para mim e outro para você. Mesmo com visões e percepções diferentes de mundo, creio que, tanto para mim quanto para você, a vida tem algum valor. Podem ser valores distintos, mas o fato é, se não estivéssemos vivos, não estaríamos aqui nessa troca de palavras.

O mês de setembro, que traz tantas cores à natureza, traz para nossas agendas, não apenas o amarelo dos ipês floridos, mas o amarelo que nos lembra da necessidade de reflexão sobre a saúde mental. A campanha diz que setembro é o mês de prevenção ao suicídio. Mas, prevenção é algo que precisa ser pensado antes. Não existe enfrentamento ou resolução de problemas sem diálogo franco, sem escuta atenta e compreensão dos fatos, sinais e sintomas.

Mas, nem só o amarele colore as agendas deste mês. Setembro é verde também. Com o intuito de chamar a atenção da população sobre a importância da inclusão das pessoas com deficiência. A campanha Setembro Verde reforça a importância da acessibilidade e da inclusão social, que possibilita dar a todas as pessoas os mesmos direitos e oportunidades. A cor verde traz consigo também a esperança de vida que advém da doação de órgãos e do diagnóstico precoce do câncer de intestino. O vermelho também chega para colorir a agenda do mês de setembro e marcar as campanhas de conscientização, prevenção e tratamento das doenças cardiovasculares.

Muitas outras cores devem colorir este mês, que traz consigo o início da estação mais florida do ano e também a esperança de que dias melhores virão. Mas, o fundamental é que, conscientes ou não das causas levantadas e sinalizadas por cada cor, não esqueçamos que valorizar a vida é fundamental e que, todas as vidas importam. 

 

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

O PARADOXO DA SEREIA E OUTROS PARADOXOS

 

Em 1994 Gilberto Gil escreveu sobre a novidade que  “veio dar à praia, na qualidade rara de sereia [e que tinha] / metade o busto de uma deusa Maia/ metade um grande rabo de baleia”. Cantava e contava ele sobre o paradoxo daquela novidade estendida na areia, já que muitos sonhavam com seus beijos de deusa e outros desejavam seu rabo pra a ceia. Gil é genial com suas palavras que brincam ao olhar para as incongruências do mundo e do humano e nos faz pensar sobre outros tantos paradoxos criados por nós.

A quarta semana do mês de agosto desperta em mim sentimentos e pensamentos que podem parecer paradoxais, mas que são absolutamente complementares. Entre os dias 21 a 28 de agosto, acontece a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, com o objetivo de abrir debates e colocar a sociedade em reflexão sobre questões que envolvem inclusão e igualdade de direitos e oportunidades.

Logo no comecinho da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência, é celebrado também o Dia do Folclore. E qual a relação entre o Dia do Folclore e a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência? Talvez nenhuma. Mas, como relação é algo criado pela mente, a partir da nossa percepção de mundo e, como habita em mim, ao mesmo tempo, a fisioterapeuta e a contadora de histórias, acabo por brincar com a imaginação tecendo relações que me acolhem e são acolhidas por mim.

Você já reparou que muitos dos personagens do folclore brasileiro trazem em seus corpos marcas distintas, que aqui no mundo real chamamos de deficiências? Ao Saci falta uma perna, à Mula sem Cabeça falta a cabeça, o Curupira tem os pés voltados para trás e a Iara um rabo de peixe. A Semana Nacional da Pessoa com Deficiência e o Dia do Folclore não tem relação direta. Mas poderiam ter, na medida em que ambos nos chamam à reflexão para lembrar daquilo que nos torna verdadeiramente humanos, a memória, o respeito, a empatia e o cuidado.

Ao falar sobre o paradoxo da sereia, Gil canta e conta também sobre a desigualdade que coloca  De um lado este carnaval, de outro a fome total” . E se fôssemos capazes de sonhar e criar um mundo menos desigual, com mais respeito e empatia entre todos os seres? Talvez, se acreditássemos nas pessoas como as crianças pequenas acreditam nos seres fantásticos, sem questionar suas potencialidades, apesar de suas diferenças físicas, fôssemos capazes de aprender mais uns com os outros e fazer mais uns pelos outros.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

ALZHEIMER SOCIAL: SOBRE O DESMONTE DA FUNDAÇÃO PALMARES

 

Minha avó materna conviveu muitos anos com o Mal de Alzheimer. Vi sua memória ir se deteriorando lenta e progressivamente. Certa vez, depois de muitos anos do início dos sintomas, ela pegou na minha mão e, sabendo de que havia um bom afeto EM nossa relação, disse: - a gente não é parente, mas o importante é que a gente se gosta. Retribui o carinho na mão e respondi que sim, que o importante era que a gente se gostava. Ouvindo essa história com certa distância, até parece uma cena engraçada. Mas, é muito triste ver alguém perdendo sua identidade.

O Iván Izquierdo, reconhecido pesquisador do campo da memória, certa vez falou que nós somos as memórias que temos. De fato, nossa identidade não está num documento, está no que sabemos sobre nós mesmos, naquilo que faz com que cada um de nós se reconheça como sujeito único no mundo. Um cérebro que já não consegue produzir e armazenar essas informações é um cérebro doente.

Em uma família minimamente funcional não descartamos nossos pais e avós porque estão desatualizados, ou porque usam expressões antigas no seu modo de falar. Eles são a memória de um tempo que explica muito de quem somos neste momento. Uma pessoa, ou um país sem memória estão doentes.

Esta semana fomos informados de que a Fundação Palmares retirou de seu acervo pelo menos 5.300 livros, por considerá-los, entre outras coisas, velhos e em desacordo com as normas ortográficas vigentes. Entre os títulos, está o ‘Dicionário do Folclore Brasileiro’, obra clássica do historiador Câmara Cascudo, que segundo a comissão analisadora, é "um livro não só gramatical e ortograficamente desatualizado, mas com páginas soltas e exibindo um forte cheiro de mofo".  Foram retirados também exemplares das obras de Machado de Assis, por acreditarem que estes prestam um "desserviço" aos estudantes, já que apresentam Português desatualizado.

O Mal de Alzheimer é uma doença orgânica. Por esta razão não tentei explicar para minha avó que eu era sua neta mais velha, apenas respeitei o seu momento e retribui o afeto. Nenhum de nós quer conviver com o Alzheimer, seja como paciente ou como familiar. Também não quero conviver com nada que afete ou apague as minhas memórias, ou as memórias da minha gente.

Não se muda o rumo da história, apagando as memórias de um povo. Mirar o futuro sem preservar o passado é como andar num veículo sem espelho retrovisor. Tentar pilotar um carro sem retrovisor é imprudente e muito perigoso. Um carro sem espelho retrovisor está com problema, um país onde arrancam seus espelhos também está com sérios problemas.  Prevenção é o caminho para minimizar o impacto de qualquer doença, seja ela orgânica ou social.


quinta-feira, 13 de maio de 2021

NÃO DEIXE A PETECA CAIR

Mensagens motivacionais com frequência me desmotivam. Excesso de otimismo, geralmente me deixa ranzinza, não porque sou pessimista, mas porque penso que a gente precisa ser feliz com os dois pés na realidade. Pensar positivo ajuda a não deixar a peteca cair, mas não resolve o problema. Metáforas, no entanto, mexem comigo, porque me permitem pensar, a partir das minhas referências e das mirabolâncias que sou capaz de produzir.

Essa história de “não deixar a peteca cair”, por exemplo. Já fico aqui pensando que pra peteca não cair é preciso uma raquete, ou uma mão com desejo de pegá-la. Sem a mão, a raquete também não serve pra nada. E sozinho, nosso braço irá cansar se segurar a peteca por muito tempo. E sem parceiro pra jogar a peteca, o jogo fica sem graça.

Problemas, na vida ou na matemática, existem para serem resolvidos. Não conheço problema, ou conta matemática, que tenha se resolvido só com o desejo, é preciso raciocínio, estratégia e, por vezes, auxílio. Muitas vezes não somos capazes de resolver nossos cálculos, ou calcular as rotas da vida, sozinhos. Algumas vezes precisaremos de ajuda, outras vezes, seremos nós a ajudar.

Quem está de fora de uma situação complexa, ou enrolada, sempre enxerga o problema e sua conjuntura, por um ângulo diferente. Nossa perspectiva muda de acordo com a nossa posição frente a cada situação. Por isso, empatia e solidariedade são tão fundamentais. Olhar para o outro, tentar perceber sua perspectiva, ajuda-lo a resolver alguma situação, pode nos ajudar a elaborar e até resolver nossas próprias questões, pois aprendemos a olhar para a vida por ângulos diferentes, o que sempre amplia nosso olhar sobre ela.

Viver pode ser motivador, especialmente quando estamos dispostos a aprender com as petecas que a vida nos oferece. Muitas vezes, uma ou outra peteca cairá no chão por falta de habilidade do jogador, porque não calculamos a rota, porque não ouvimos a opinião de quem estava observando com certa distância, ou de quem já deixou muitas petecas caírem no chão. Outras vezes, acertaremos na peteca com tanta força que ela sairá do nosso campo de visão.

Jogar peteca só é divertido quando conseguimos ajustar a intensidade da força e o ângulo correto para acertar a raquete do outro jogador. E, em contra partida, nosso parceiro devolve a peteca com a mesma intensidade. Quando é assim, nos divertimos juntos, brincamos, partilhamos o momento. Quando um quer ser mais que o outro, ter mais que o outro, quando há um vencedor, o jogo acaba. 


 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

TSUNAMI

A ideia de trabalhar em casa não nasceu com a pandemia que se iniciou em 2020. Na Idade Média, profissionais como sapateiros e carpinteiros, mantinham suas oficinas nos fundos, ou no primeiro piso de suas casas. A Revolução Industrial, porém, levou um grande número de trabalhadores para o chão das fábricas. Muitos outros, contudo, continuaram a ocupar a casa como espaço de trabalho.

O Home Office, como o conhecemos hoje,  pode ser descrito como um tipo de trabalho que é executado para outra pessoa, ou empresa, a partir do espaço de casa. Não costuma ser considerado Home Office o trabalho da costureira, da artesã, do marceneiro, entre outros profissionais que têm suas oficinas e ateliês anexos ao espaço de suas residências. De um modo geral, considera-se Home Office quando, ao se trabalhar para um terceiro, existe a possibilidade de realizar as atividades laborais no próprio espaço domiciliar, ou de qualquer outro lugar, com o uso de ferramentas conectadas à internet, como um telefone ou computador.

Com a chegada da Pandemia da COVID-19 e a necessidade de afastamento físico, a fim de minimizar os contágios e a proliferação do vírus, muitos profissionais passaram a trabalhar a partir das suas casas. Uma adaptação que se deu de modo abrupto, sem que a maioria das pessoas tivesse tempo de realizar alguma formação ou treinamento. Apenas aconteceu, como a chegada do vírus em nossas vidas.

Uma das profissões que precisou se reinventar do dia pra noite, foi a de professor. Só quem convive com um professor para saber em que medida a carga de trabalho multiplicou-se. Estar com os alunos, em sala de aula, é a parte mais divertida e prazerosa do fazer docente. Mas, o que talvez muitos não imaginam é que, para entrar em sala os professores precisam preparar suas aulas, organizar materiais, conteúdos, atividades.

Neste momento, em que a parte mais prazerosa da profissão lhes foi ceifada, vejo muitas pessoas chamando os professores de preguiçosos, dizendo que não querem trabalhar. Como se apenas voltar para a escola fosse fazer os professores trabalhar. Saiba que trabalho docente aumentou vertiginosamente neste tempo de pandemia. Home Office de professor é um tsunami!! Porque razão empresários, políticos, advogados e tantos outros profissionais que fazem suas atividades a partir de suas residências não são chamados de vagabundos, apenas os professores são?!

É fato que este tempo longe do convívio social afeta as aprendências de nossas crianças e jovens. Afeta o que aprendem e como aprendem. Mas, não há tempo vivido sem aprendizado. Que cada um possa acolher as dificuldades desse momento com empatia, gentileza e respeito. Não é possível vislumbrar um horizonte quando olhamos apenas para o próprio umbigo. 


* Texto publicado na Coluna "Simples Assim", do Jornal de Candelária (RS)
 

quinta-feira, 22 de abril de 2021

LIVRO: UM DIREITO DE TODOS

Abril é um mês repleto de datas festivas para os que amam os livros e a leitura. Começamos o mês celebrando o aniversário de Hans Christian Andersen e com ele, o Dia Mundial da Literatura Infanto Juvenil. Dia 18 de abril é aniversário de Monteiro Lobato, quando festejamos o Dia Nacional do Livro Infantil. Reza a lenda que no dia 23 de abril de 1616, morreram William Shakespeare e Miguel de Cervantes. Por esta razão, celebramos nesta data o Dia Mundial do Livro e dos direitos do autor.

Neste ano, mais uma vez, a proposta de reforma tributária do Governo Federal propõe uma alíquota de 12% de impostos sobre os livros. Na justificativa, o governo diz que o livro é um produto de elite, e que essas pessoas podem pagar mais caro. No entanto, como mostra a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a classe C, além de leitora, é também consumidora de livros. Para se ter uma ideia, 27 milhões de brasileiros enquadrados nesse estrato social se declaram leitores.

Não faz sentido aumentar os impostos sobre os livros, enquanto se propõe isenção de impostos para importação de armas. Tornar os livros inacessíveis e armas mais acessíveis me parece um projeto de futuro bastante obscuro para a população brasileira.

Na intenção de mobilizar a população e mostrar que nós, brasileiros de diferentes regiões e classes sociais, lemos e precisamos de mais investimentos do poder público para a área, foi que nasceu a ideia do “Viradão da Leitura”.  Trata-se de uma mobilização nacional, um posicionamento da sociedade civil contra a proposta de reforma tributária que prevê uma alíquota de 12% sobre os livros. A ideia do “Viradão da Leitura” surgiu em uma conversa entre a escritora e idealizadora do Projeto Kombina, Christina Dias, e o escritor e idealizador do Instituto de Leitura Quindim, Volnei Canonica.

No dia 23 de abril fique atento às redes sociais, pois muitos leitores, escritores, contadores de histórias, mediadores de leitura, associações, institutos, estarão envolvidos com a ação “Viradão da Leitura”, realizando 24 horas de diálogos, debates e leituras compartilhadas nas redes. 

Bom mesmo será o dia em que os livros estiverem ao alcance de todos.  Mas, enquanto o desejo segue como utopia, é sempre bom ter dias festivos, e também de resistência, para que não esqueçamos da importância do livro e da leitura para um futuro menos distópico.

* Texto publicado na Coluna "Simples Assim", do Jornal de Candelária (RS)

quinta-feira, 8 de abril de 2021

SOMOS AS MEMÓRIAS QUE TEMOS

Diz o poeta, que memória é onde a gente guarda quem a gente ama. O cientista, por sua vez, diz que somos as memórias que temos. Quem amamos, por certo, reside em nossas memórias. Quem desprezamos também. Sabemos quem somos e onde estamos, porque guardamos muitos registros. Somos filhos, netos, bisnetos de pessoas concretas. As falas, posicionamentos, escolhas e as histórias de nossos familiares, amigos, colegas de escola, ou de trabalho, se entrelaçam com nossas memórias, fazem parte delas, apontam os rumos para onde queremos ir e sinaliza os caminhos que devemos, ou queremos, evitar.

Nossas memórias assinalam quem somos no mundo. Quando nos apresentamos para uma pessoa, ou para um grupo de pessoas, dizemos nosso nome, de onde somos, onde moramos, nossas experiências profissionais, acadêmicas ou pessoais. Se somos capazes de narrar todas essas informações é porque às temos registradas em nossas lembranças.

Uma pessoa acometida pela Doença de Alzheimer vai, aos poucos, perdendo suas memórias, podendo chegar ao ponto de não ser mais capaz de localizar-se no mundo, de reconhecer seus amigos e familiares, ou até mesmo, de reconhecer-se. Este fato afirma a fala do cientista. Uma criança pequena, por sua vez, também não é capaz de narrar sobre quem é. A construção dessa narrativa acontecerá a partir das muitas vezes que os adultos que cuidam dela precisarão repetir seu nome, seus nomes, nominando e dando significado a tudo e a todos que a cercam. Aqui o poeta e a poesia do viver se fazem presentes.

Para que a memória exista é preciso que os fatos, as coisas, as pessoas, sejam nominados e rememorados muitas vezes. É preciso que ganhem sentido, que sejam sentidos. Não guardamos na memória todas as experiências vividas, nem todas as pessoas conhecidas, mas guardamos tudo aquilo e todos aqueles que fazem e dão sentido à nossa existência.

Esquecer quem somos no mundo não é saudável, é uma condição de quem não soube aprender ou está doente. Deixar apagar a memória do tempo vivido não é saudável, é coisa de quem não quer aprender ou está doente. Que toda a história já vivida sustente nossas memórias. Que cada vida ceifada por descuido, descaso ou negligência, possa ser lembrada não como um número, mas como um pedacinho da nossa memória coletiva. Que todo o tempo e toda experiência partilhados possa nos fortalecer e nos qualificar enquanto seres mais humanos. 


 

domingo, 4 de abril de 2021

REIVENTANDO OS ENCONTROS DE PÁSCOA

Se você já compreendeu o momento frágil pelo qual o mundo está passando, a Páscoa de 2021 será uma Páscoa diferente. Os almoços em família serão ainda menores, muitos encontros serão virtuais, outros tantos serão em estado de solitude, no encontro consigo mesmo. Penso que esta será uma Páscoa especialmente difícil para os avós e tios avós, pois os mais velhos são o grupo com maior risco de complicações pela COVID-19. Nesse tempo de cuidado extremo e necessário, a Páscoa será diferente para todos que gostam de celebrar a vida, mas compreendem o momento presente.

Escrevo esse texto pensando, de modo especial, nos avós e tios avós, mas também em tios, padrinhos, irmãos, filhos, sobrinhos. Nesta Páscoa, em que o distanciamento físico se faz ainda mais necessário, que tal puxar uma conversa por telefone, ou fazer uma chamada de vídeo para contar uma história de Páscoa para os pequenos (ou, para os já crescidos)? Pode ser uma memória de algo que você tenha vivido.

Só não vale aquele papo de que antigamente tudo era mais difícil. Afinal, esse último ano não foi fácil pra ninguém. Também não vale ficar naquela conversa de que no seu tempo tudo era melhor, blá, blá, blá... Tem que ser uma história gostosa, que conecte seus queridos a você, que vá fortalecer os laços e produzir memórias afetivas.

Vale história inventada, vale colocar açúcar e confeitar a memória. O importante é o encontro e o significado do encontro, é partilhar o tempo, é dar valor para o que, de fato, é importante. Se não dá para enlaçar com os braços quem você ama, enlace com histórias e memórias e faça florescer um novo modo de celebrar a Páscoa!! Boa Páscoa!! 

quinta-feira, 11 de março de 2021

FEITIÇO DO TEMPO

 

“Feitiço do tempo” é um daqueles clássicos filmes da sessão da tarde. A história se passa na cidade de Punxsutawney, na Pensilvânia, onde anualmente acontece a festa do Dia da Marmota. Na história, um presunçoso e arrogante meteorologista da TV é escalado para a cobertura da tradicional festa. Durante a cobertura do evento ele se vê preso em uma armadilha do tempo que o faz reviver o mesmo dia infinitas vezes. Acontece que apenas ele sabe que está preso num loop temporal, os demais personagens repetem os dias normalmente, sem memória do dia anterior. Embora no começo da história ele aproveite para agir de forma irresponsável, acaba ficando cansado em acordar todos os dias, na mesma hora, ao som da mesma canção e viver os mesmos acontecimentos. Preso a uma situação onde o fim é incerto e independe de sua vontade, o personagem decide aproveitar a oportunidade para melhorar enquanto pessoa.

Muitos dizem que 2020 foi um ano que não valeu ser contado e que 2021 é apenas a segunda parte de 2020. Há quem diga que em 2020, em decorrência da pandemia da COVID-19, ficamos presos, fomos amordaçados, os dias foram enfadonhos, as crianças não aprenderam nada, os jovens perderam sua juventude e os adultos foram aprisionados. E que, 2021 será ainda pior. Se, neste momento, situação está pior é porque não aprendemos a lição de 2020.

No ano que passou precisamos nos adequar a uma nova realidade. Poucos, porém, se lançaram pra valer nessa aventura. Muitos ficaram reclamando que precisavam usar máscara, outros muitos negaram-se (e ainda negam-se) a usá-la. Poucos abriram mão de viagens de férias e feriados, o resultado já era previsto e foi anunciado. Vivemos um caos sanitário, as reclamações continuam, assim como a falta de ações práticas, individuais e coletivas.

Vivemos há um ano, presos a um “feitiço do tempo” provocado por um bicho bem menos interessante que uma marmota. O coronavírus não anuncia o inverno prolongado, mas que o inferno pode ser aqui. Ouvimos autoridades pedindo para darmos a vida pelo bem da economia, para não usarmos máscara, não tomarmos a vacina, usarmos remédios ineficazes para esse vírus (até porque medicamento algum mata o vírus). Homens e mulheres, que se dizem de bem, espalham notícias falsas, promovem aglomerações, plantam e alimentam o caos.

Não é o vírus que vai nos ensinar algo, mas o desejo de aprender com isso tudo. No momento que escrevo este texto já foram mais de 270 mil mortes notificadas em território nacional, apenas em função do coronavírus. Com os hospitais lotados, pessoas acometidas por outras doenças graves poderão morrer por falta de assistência. E tem gente que ainda não acredita na gravidade da situação, que reclama por ter que usar máscara para cobrir o rosto e não poder ir ao mercado no domingo. Quando vamos aprender que a vida é nosso bem maior?!!

 

quinta-feira, 4 de março de 2021

METÁFORAS SOBRE UM NAUFRÁGIO

 

Somos todos náufragos. Faz um ano que o mundo vem naufragando num imenso oceano. Há quem diga que o vírus colocou o mundo inteiro num mesmo barco. Não é verdade, estamos naufragados num mesmo oceano, alguns em esplêndidos navios, outros em luxuosos iates, há quem esteja à deriva em uma pequena embarcação, se equilibrando sobre um bote, ou agarrado a um tronco de árvore. Duzentos e sessenta mil brasileiros, no entanto, já se afogaram nesse oceano.

Os que olham para a água desde seus majestosos navios e iates, parecem pouco se importar com os afogados, ou com os que tentam se salvar. É como se, para eles, a vida humana não tivesse muito valor. São alimentados pela ilusão de que o vírus respeitará suas imponentes embarcações. Esquecem que um vírus, assim como eles, não tem consciência.

Muitos dos sobreviventes nos barcos pequenos, acreditam nas mentiras contadas pelos habitantes das luxuosas embarcações, que gritam com seus megafones: “tirem essas máscaras, são elas que lhes sufocam!!”; “Estamos jogando medicamentos preventivos e feijões milagrosos ao mar para salvar vocês!!”; “Não acreditem na ciência, ela quer fazê-los prisioneiros!!”.

Muitos, dos ainda sobreviventes, agarram-se a qualquer esperança, ainda que mentirosa, de viver com a liberdade que nunca tiveram. Pensam que sobreviver não é viver. Que vida é festa, é junção, é bebedeira, música alta. Há quem grite que vida é ar entrando livremente pelos pulmões, é sangue circulando livremente por veias e artérias. Mas, seus gritos não ecoam.

Muitos dizem estar cansados de “apenas” sobreviver. Os que se abrigam nas soberbas embarcações gritam, pedindo liberdade. Os náufragos das jangadas, botes e barquinhos reclamam, pedindo liberdade. Os que estão agarrados aos troncos, tentam apenas respirar, rezando para não entrarem para a estatística dos afogados.

Assim, seguimos naufragados, sem sair do lugar, apenas com alguns se mantendo à deriva e outros afundados. Para sobreviver é imprescindível estarmos vivos. Quando estivermos em terra firme, poderemos celebrar a vida com alegria. Quanto mais vidas salvarmos, mais amigos teremos para essa celebração. Enquanto isso, é preciso não deixar que mais embarcações ou troncos de árvores afundem. 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

DEIXE A LOUÇA PRA DEPOIS

Quando era criança, domingo era dia de almoçar na casa de meus avós maternos, que moravam num sítio, onde criavam vacas, porcos, ovelhas e galinhas. Sempre que possível, tios e primos apareciam para o almoço ou café da tarde. 

Depois do almoço, as mulheres ficavam um longo tempo conversando, sem se afastar muito da mesa. Meu pai e meu avô iam tirar um breve cochilo, mas não demoravam a voltar. Talvez, por esta razão, era comum que emendássemos o almoço com o café da tarde.

Quando cresci um pouco, lembro de certos domingos que, quando alguém fazia um movimento para começar a lavar as louças, minha mãe logo dizia que os pratos podiam esperar, que quando começamos a lavar a louça a turma dispersa e a conversa também.

Tenho grande apreço pelas conversas tecidas em volta da mesa. Talvez, despertem em mim a memória ancestral de quando sentávamos em torno do fogo para ouvir e contar histórias, ou apenas uma memória de infância, que contada tantos anos depois, deve ser bem diferente dos dias vividos naquele tempo outro.

Memória de infância nunca é o resgate de um fato, mas do modo como lembramos e dos sentimentos que colocamos sobre o fato lembrado. É provável que minha mãe, tias e irmãs, não guardem as mesmas lembranças do tempo compartilhado. Cada uma de nós terá sua própria memória, temperada com diferentes condimentos afetivos.

Carrego ainda hoje comigo a necessidade de sobremesa e cafezinho para todos os almoços em família, ou entre amigos. Penso que ambos são apenas pretexto para ficarmos mais tempo juntos à mesa, para puxar à memória uma receita, uma história, uma lembrança, para amarrar a junção e prolongar o tempo.

Durante o longo tempo que dura a pandemia, me esforcei para preparar ao menos uma refeição em casa e reservar tempo para o cafezinho e para a conversa. Ainda que os almoços com a família ampliada tenham sido adiados para logo ali e com os amigos para um pouco depois, poder fazer uma refeição com alguém que se dispõe a partilhar a mesa e a conversa é um grande privilégio que torna esse tempo um pouco mais suave.

 


 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

QUEM TEM MEDO DA CUCA?!


Crianças pequenas, de um modo geral, gostam de cantigas de acalanto, mesmo aquelas que trazem histórias de medo, como “boi da cara preta” e “nana nenê”. Crianças também gostam de histórias de monstros e bruxas, especialmente quando são contadas por adultos que lhes imprimem segurança.

Cantigas e histórias narradas podem oferecer aos pequenos, de um modo seguro, uma aproximação com experiências de medo, perda, ou dor. Pois, aquele sentimento que já foi sentido, ou poderá vir a ser, é ali vivenciado num espaço protegido, onde sentimentos reais são despertados através da imaginação. Histórias e canções de acalanto são como aquelas vacinas com pequenas porções de vírus, que informam ao nosso organismo que aquele ser existe, nos deixando melhor preparados para enfrentá-lo quando ele tentar nos atacar no mundo real.

É fundamental, no entanto, para este efeito terapêutico (chamo aqui de terapêutico aquilo que promove o bem estar) das cantigas e histórias, que os adultos transitem por elas de modo responsável, buscando criar, a partir da experiência compartilhada com os pequenos, uma relação de confiança e um espaço de segurança.

Muitos adultos, porém, usam cantigas, histórias e experiências cotidianas, para promover o medo. Crianças não tem medo de bruxas porque as bruxas são más, mas porque quem lhes contou estas histórias, não lhes comunicou segurança. Do mesmo modo, crianças não nascem tendo medo de dentista ou de tomar vacina. Elas aprendem a ter medo porque muitos adultos dizem: “se tu não te comportar, vou mandar essa moça te fazer uma injeção”. Cria-se uma narrativa assustadora para uma experiência desconfortável e isso gera medo e ansiedade.

No mundo da pós-verdade, andamos a ter muita dificuldade em diferenciar realidade de ficção. Sobram informações e falta interpretação de texto e contexto. Faz um tempo que temos andado de marcha à ré rumo ao futuro. Há quem questione a ciência, simplesmente porque não querer compreendê-la. Pensar não dói, mas desacomoda. Um mundo fundamentalista e dogmático é mais fácil de ser digerido, pois não há o que questionar, apenas certezas a seguir.

Andam a dizer por aí que tomar vacina altera nosso DNA, que a vacina vai provocar malformações em nossos corpos, causar doenças, nos robotizar, nos transformar em animais. Tudo isso seria divertido em uma história de ficção, mas a COVID-19 é real. A vacina é a luz no fim do túnel, num túnel que parece não ter fim. Fico pensando se não faltou ficção para toda essa gente que anda por aí a duvidar da realidade.

domingo, 31 de janeiro de 2021

COMPRE MENOS BRINQUEDOS, BRINQUE MAIS COM SEUS PEQUENOS

É comum que os adultos, para acarinhar, ou suprir suas ausências, comprem muitos brinquedos para seus pequenos. Mas, brinquedo nenhum assegura o brincar. Até porque, as crianças não precisam de brinquedos para brincar, elas brincam com o próprio corpo, com suas vozes, com pedrinhas, pedacinhos de madeira, barro, conchas, panelas, talheres, brincam com tudo e com nada.

Tudo pode ser brinquedo, se for brincado. E, um brinquedo caro pode ser apenas um belo objeto de decoração, se for deixado na prateleira.

O mais importante na brincadeira não é o brinquedo, mas o brincar, o verbo, a ação. O brincar compartilhado é fundamental para estabelecer bons vínculos afetivos, para criar significados, encontrar sentidos, desenvolver as linguagens e múltiplas aprendizagens.

Muitos brinquedos sonoros, cheios de recursos, letras e números não asseguram nem o brincar, nem a aprendizagem, pois os símbolos que estão ali representados podem não fazer o menor sentido para a criança.

Aprendizagem não é um processo intelectivo apenas, é sensorial, motor, afetivo e simbólico. Quem aprende é o corpo. É através do corpo que as informações chegam ao cérebro e é por meio dele que as respostas cognitivas, motoras, sensoriais, são manifestadas.

Se queremos que nossos pequenos aprendam e se desenvolvam, é importante brincar, cantar, dançar, contar histórias, dar colo, passear, conversar. Comprar lindos brinquedos não substitui nenhuma destas ações. 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

LIVROS SÃO COMO PAIXÕES ADOLESCENTES

Os jovens, de um modo geral, apaixonam-se com mais facilidade e maior frequência do que os adultos. Talvez porque os hormônios estejam em ebulição, ou pela curiosidade aguçada da juventude, ou ainda, pelo desejo de novas experiências e aventuras. Lembro que na minha juventude, os adultos chamavam as paixões adolescentes de “paixonites”. Possivelmente, porque às considerassem um sentimento agudo e intenso, que logo passava, sem maiores riscos de “cronificar” e virar um amor de longo prazo.

Algumas “paixonites” da adolescência, no entanto, podem cronificar, outras podem deixar marcas em nós, mas em sua maioria, são brisa. Quando eu tinha uns doze anos de idade, sofri de uma “paixonite” que não cronificou, mas deixou marcas profundas para o resto da vida. O causador dessas cicatrizes, cinco anos mais velho que eu, gostava de boa música e bons livros. Carrego comigo, até os dias de hoje, seu gosto musical e o desejo de encontrar na leitura, fontes de inspiração.

Houve um livro em especial que, naquela época, ele disse ser o seu preferido. Eu, como estava ardendo em febre pela paixonite, quis imediatamente ler aquele livro, apenas para poder dizer a ele que eu o havia lido. Uma reação comum às paixonites é que, quando estamos febris, queremos impressionar o outro, chamar sua atenção de alguma forma. Como haviam cinco anos de diferença entre nós – e cinco anos é um tempo muito longo quando somos jovens – eu queria encontrar um modo de mostrar minha pretensa maturidade.

Tentei ler o livro. Obviamente, como maturidade não é algo que ganhamos pelo desejo, mas pelas experiências que precisam de tempo, não consegui finalizar a leitura. Tive a incrível ideia de pedir para uma amiga, que devorava um romance por noite, para ler a história e me contar o que havia nela. Minha amiga, por ter os mesmos anos de experiência que eu, também não conseguiu avançar na história. Não tive êxito em exibir minha pretensa maturidade leitora ao jovem rapaz.

Anos depois, o livro seguia na minha estante. Aos dezessete, peguei-o para ler novamente e o devorei numa sentada. A leitura fluiu e a história transbordou para fora de suas páginas. Naquela época eu já estava curada da febre, mas haviam as cicatrizes melódicas das canções do Nelson Coelho de Castro. E agora, ficaria marcada também por aquela história. A marca, porém, foi maior. Ficou daquela experiência a cicatriz da compreensão leitora. Entendi, naquele momento, que não há livro que não possamos ler, há livros que não agradam nosso paladar e outros que ainda não estão no ponto para serem (co)l(h)idos. Livros são como paixões adolescentes, alguns viram grandes amores, outros deixam marcas em nós e alguns serão nuvens passageiras, que o vento vai levar.

 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

SEM EXPECTATIVAS PARA 2021

 

Chegamos em 2021. Nunca iniciei um ano com tão pouca expectativa. Meu único plano para este ano é viver um dia de cada vez. Pretendo também procrastinar menos, resolver um problema de cada vez e cada um a seu tempo e viver o melhor possível cada dia. A grande lição que tirei de 2020 foi: não planeje tanto, faça acontecer.

Iniciei o ano anterior com muitos planos, investi dinheiro neles. E, consequentemente, perdi dinheiro com eles. Pois, assim como você, no início do ano eu não tinha como imaginar o que viria pela frente. O Coronavírus chegou sem aviso prévio e fez um estrago danado mundo a fora. De uma hora para outra o meu, o seu, o mundo inteiro virou de cabeça pra baixo.

Mas, apesar da bagunça que o bichinho continua causando, ele mostrou que eu podia fazer tudo que eu queria, só que de outros modos. Me mostrou também que era possível fortalecer os laços de amizade, cuidar da saúde e da saudade de quem queremos bem, colocar em prática os cuidados de prevenção da COVID-19 com leveza e bom humor, cuidando de mim e de cada um a minha volta.

Quando tudo isso começou, lá em março de 2020, eu já pensava que a humanidade não sairia melhor dessa experiência, mas que ela acentuaria os traços de cada um e de cada grupo. Quase um ano depois, é exatamente isso que vejo. Quem era solidário, empático e consciente, segue mantendo suas características e fortalecendo suas redes de apoio. Quem era egoísta, negacionista e se alimentava de teorias conspiratórias e narrativas tóxicas, também.

A diferença entre esses dois grupos, ao meu ver, é que o primeiro teceu redes de afeto e solidariedade, através de ações concretas, que potencializavam e qualificavam o fazer e o viver do outro. O segundo, continuou apenas criando teorias, mirabolâncias e verborragias tóxicas. Num mundo onde grande parte dos seres humanos olham e fazem apenas pelo seu umbigo, é mais fácil, e muito mais cômodo, alimentar-se das narrativas que cabem dentro da própria roupa. Qualquer movimento fora do roteiro, faz a roupa ficar apertada e desconfortável.

Para 2021 não quero criar expectativas, não quero ficar na posição daquela que anseia por algo e vê o anseio tornar-se ansiedade. Para 2021 desejo conjugações verbais, afinal a vida se faz ao viver. Neste ano quero muitos verbos para conjugar, o primeiro deles: “esperançar”, no melhor sentido freiriano.

É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera”, dizia Paulo Freire. “Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo...”. Que em 2021 possamos conjugar muitos verbos: viver, vacinar, aprender, ser, abraçar, beijar... Que verbos você deseja conjugar em 2021?!