quinta-feira, 30 de abril de 2020

CINCO MIL QUINHENTOS E ONZE

No momento que inicio a escrita deste texto, o número de casos confirmados de COVID-19 no Brasil era de 79.361. Destes, mais de 34 mil já haviam se recuperado. Outros 5.511, foram casos sem condição de reversibilidade, 5.511 vidas perdidas. Veja bem, não foram 5.511 mortes no Brasil desde que o coronavírus aportou em terras brasileiras, foram 5.511 mortes apenas pelo COVID-19, em poucas semanas.
No momento em que parte da população brasileira ainda nem entendeu direito o que está acontecendo, enquanto muitos teimosos insistem em negar a existência de um vírus que ainda está fora de controle e outros tantos ainda não conseguem colocar a vida humana como prioridade, o vírus já causou 5.511 mortes no Brasil. A imprensa informa que o número de mortes em algumas regiões do país pode ser sete vezes maior, uma vez que há subnotificação dos casos.
Talvez, a pergunta que deva ser feita todos os dias, antes de levantar da cama, antes de escolher não tomar as medidas de proteção necessárias e defender a anticiência, de pensar fora da razão e colocar a economia acima da vida, como se ela service para alguma coisa, se não houvesse vida, talvez a pergunta primeira deva ser: quantas pessoas da sua família precisam morrer para que você faça o que tem que ser feito?
Porque razão a vida do pai de outra pessoa, vale menos que a vida do seu pai? Porque razão a vida do filho de outra pessoa, vale menos que a vida do seu filho? Porque razão as vidas perdidas não te sensibilizam, não te mobilizam? Porque razão, você escolhe acreditar numa voz desconhecida, que te chega numa mensagem qualquer pelo celular, do que nos cientistas, nos médicos que respeitam a ciência, na Organização Mundial da Saúde? Porque razão?!! Não há razão, quando nossas escolhas são fora da razão, quando nossas escolhas são, porque acreditamos que é assim e ponto.
Acreditar em algo é, quase sempre, bom. Ter fé ajuda a não deixar a peteca cair. No entanto, cresci ouvindo dizer que a fé sem obras é morta. Se você tem fé em algum Deus, alguma entidade, algum Oxirá, algum ser de luz: ore, medite, faça oferendas, dance, mas também, coloque a máscara no rosto, respeite o distanciamento social, lave as mãos, use álcool gel, fique em casa sempre que puder, pare de reclamar e faça a sua parte.
Neste momento, cuidar de si é cuidar do outro. Não se coloque em risco, não coloque a vida de quem você quer bem em risco. Faça a sua parte, para que mais ninguém se perca pelo caminho. Que a dor do outro, seja sua também. Seja responsável! Fique bem! Se puder, fique em casa! Se cuide! Cuide dos seus!

quinta-feira, 16 de abril de 2020

MUDANÇA DE PLANOS


Há pouco mais de trinta dias a minha agenda estava repleta de planos. Trinta e três dias atrás eu estava dançando, embaixo de uma figueira centenária, cercada de gente bacana, com a agenda dos próximos meses recheadinha de cursos para iniciar, oficinas para ministrar, eventos para participar, viagens para realizar e um negócio para inaugurar. Em poucas horas todos os verbos deste parágrafo foram substituídos por ficar, aquietar, cuidar, resguardar, prevenir.
Meus projetos, tão concretamente encaminhados, simplesmente viram-se flutuando num vácuo que eu ainda não consegui assimilar direito. É difícil assimilar uma perda brusca, ainda que seja a perda da rotina. A psicologia chama isso de luto. São cinco as fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Por experiência de vida, tenho uma certa inclinação pessoal por transformar o luto em luta e pular algumas etapas. O problema disso é que, enquanto grande parte do Brasil ainda está, um mês depois das primeiras ações da quarentena, na primeira fase do luto, enquanto tantos seguem negando a pandemia e a existência do vírus, como se tudo isso fosse apenas uma narrativa ficcional, eu já estou em fase de aceitação faz tempo, procurando enxergar a realidade como ela realmente é.
Talvez seja difícil compreender a realidade deste momento, mas não é difícil enxergá-la. Uma dica é ouvir os cientistas e fechar olhos e ouvidos para pseudocientistas e teóricos da conspiração. Teorias da conspiração neste momento, além de não ajudar, atrapalham, causam pânico e desorganizam o pensamento. Este é um momento de unir forças e não de produzir histeria coletiva.
Como vai ser a vida depois? Como vai ficar a economia? Ninguém sabe. O que sabemos é que não estamos sós e que o umbigo do mundo é maior que o meu e o seu umbigo. Não há como prever o futuro. O que sabemos (ou deveríamos saber) é que nossas ações de agora, nosso cuidado de agora, fará toda diferença lá na frente. Penso que sempre soubemos disso, só fazemos de conta que não. Só fazemos de conta que o agora é mais importante, porque só o agora parece real, só ele nos é concreto.
A vida não vai seguir igual depois que formos capazes de conviver pacificamente com o coronavírus. A vida não segue igual depois que temos um filho, depois de perdermos um amigo, depois que passamos pela escola, nem mesmo após termos crescido e deixado pra trás a infância e a adolescência. A vida nunca é igual, não é possível voltar atrás, mas é possível fazer um novo caminho. Que o nosso caminhar seja mais justo, solidário, amoroso, sábio e empático. Antes de reaprendermos a conviver é importante que estejamos vivos. Por isso, se puder, fica em casa!

quinta-feira, 9 de abril de 2020

UMA PÁSCOA RECHEADA DE LENDAS

A Páscoa de 2020 será, certamente, uma Páscoa muito diferente. Os almoços em família serão menores, muitos encontros serão virtuais, outros tantos serão em estado de solitude, no encontro consigo mesmo. Penso que será uma Páscoa especialmente difícil para os avós, que são o maior grupo de risco do corona vírus e que devem, por prudência, ficar afastados de seus netos.
Escrevo esse texto pensando, de modo especial, nos avós, sejam eles avós de sangue ou de coração. Nesta Páscoa em que o distanciamento físico é preciso, que tal puxar uma conversa por telefone, ou fazer uma chamada de vídeo, para contar uma história de Páscoa para os netos consanguíneos ou de coração? Pode ser uma memória ou uma história de Páscoa que você tenha vivido. Só não vale aquele papo de que antigamente tudo era mais difícil. Tem que ser uma história gostosa de contar, uma que vai conectar seu neto a você, que vá fortalecer os laços e produzir memórias afetivas, de um tempo que está sendo complicado para todos, independente da idade.
Vale história inventada, vale colocar açúcar e confeitar a memória. O importante é encontrar e dar sentido para este tempo, é partilhar algum tempo, é dar valor para o que, de fato, é importante. Se faltar ideia ou repertório, eu vou dar uma mãozinha e contar como surgiram alguns dos símbolos mais decorativos e lúdicos da Páscoa.  
Alguma vez você já olhou para a lua cheia e viu nela a forma de um coelho?! Quando eu era criança eu enxergava um coelho gordinho empurrando um carrinho de mão cheinho de ovos de Páscoa. É bem verdade que o coelho é um mamífero e não coloca ovos. De onde saiu essa ideia de que o coelho traz ovos?! E qual a relação do coelho com a lua cheia?!
Embora hoje em dia a Páscoa seja celebrada como uma festa cristã, sua origem antecede o nascimento de Cristo e muitos de seus símbolos têm origem em festejos pagãos.  Para entender alguns destes símbolos, entre eles os ovos de chocolate, é preciso voltar um pouco mais no tempo.
Na Idade Média, os povos pagãos europeus celebravam a entrada da primavera homenageando Ostera, a deusa da primavera, considerada também deusa da fertilidade, na mitologia anglo-saxã, nórdica e germânica. Ostera é frequentemente representada como uma bela mulher colorindo ovos, enquanto lebres pulam alegremente sobre seus pés. Vem daí a origem dos ovos pintados, atualmente substituídos pelos ovos de chocolate. A figura a lebre também foi substituída mais tarde pelo coelho.  Diz-se que a lebre de Ostera pode ser vista na face da lua cheia, que, assim como as lebres, é também um símbolo de fertilidade.
Agora, que você já tem um monte de ideias para puxar um dedo de prosa, vamos deixar a tristeza de lado e viver a Páscoa de 2020 de outras formas. Se não dá para enlaçar com os braços quem você ama, enlace com histórias e memórias e faça florescer uma boa Páscoa.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

A MINHA, A SUA, A NOSSA DISTOPIA



Como é bom ficar em casa, olhar um filminho, comer uma pipoca, dormir até mais tarde, tirar um cochilo depois do almoço. Como seria bom se tivéssemos mais tempo para brincar com os filhos, para ler um livro, arrumar o guarda roupas. Num mundo onde a utopia é possível, todos esses são desejos legítimos. No mundo em que a distopia é real, tudo isso é um caos.
Há quem diga que um vírus invisível chegou e colocou tudo no lugar, que as pessoas passaram a ter tempo, tanto tempo que nem sabem o que fazer com ele, que os pais estão com os filhos, o trabalho deixou de ser prioridade, as viagens e o lazer também. Mas, será mesmo esta a realidade para quem está em quarentena?
Na realidade distópica onde vivo, a vida segue assim: muitas pessoas ainda não entenderam que estamos numa quarentena e seguem suas rotinas como se ainda estivessem em férias. Há profissionais que seguem trabalhando a partir de suas casas, precisando aprender a organizar fazeres profissionais, domésticos e cuidados parentais, num mesmo espaço e tempo. E há os profissionais que precisam sair de suas casas para trabalhar (mesmo se expondo e expondo suas famílias a um possível contágio), para que o mundo siga girando, ainda que um pouco mais lento.
Nessa distopia onde vivo, há quem diga que o Brasil não pode parar por conta de algumas milhares de mortes, porque as pessoas continuarão morrendo com ou sem corona vírus, a economia é que não pode adoecer. Mas, que economia haverá e para quem haverá economia, quando não estivermos mais aqui? Não é verdade que estamos todos no mesmo barco. Alguns estão num transatlântico e outros, numa canoa furada.
Enquanto alguns românticos dizem que estamos aprendendo a ser mais empáticos por causa de um vírus, vejo muita gente provando em palavras e ações, quanto o ser humano não tem ideia do que significa empatia. Ameaçar as pessoas, plantar o medo, divulgar mentiras, criar teorias conspiratórias, colocar o dinheiro na frente da vida, desqualificar a ciência, colocar-se acima do bem, do mau e do vírus, não é ser empático.
Empatia é estender a mão, ainda que virtualmente. É claro que nesse mundinho distópico aqui, não há apenas zumbis e dementadores. Nele também mora muita gente bacana, como os cientistas, que mesmo pouco valorizados e reconhecidos, buscam modos de minimizar os estragos desse bichinho e salvar vidas. Moram também os profissionais da saúde e do cuidado, que estão na linha de frente, zelando pela vida e cuidando das pessoas. Nobres vizinhos são os profissionais da alimentação e da limpeza, que trabalham para que a vida seja menos caótica pra todo mundo.
Moram aqui também os educadores, que mesmo longe de seus alunos, tentam aquietar os corações e orientar pais e estudantes, na medida do possível, através de suas redes. Os artistas que vivem aqui, nunca trabalharam tanto (e sem nenhum cachê), fazendo vídeos e lives diárias para trazer leveza à vida cotidiana. E há também alguns empresários que, cientes de seu papel social, ao invés de ameaçar e plantar o medo, estendem a mão para ajudar a minimizar os estragos desse tempo que não sabemos quanto tempo tem. Quando esse tempo aquietar, alguns terão aprendido a ser mais empáticos, outros saberão que nem todos aprenderam.