quinta-feira, 4 de março de 2021

METÁFORAS SOBRE UM NAUFRÁGIO

 

Somos todos náufragos. Faz um ano que o mundo vem naufragando num imenso oceano. Há quem diga que o vírus colocou o mundo inteiro num mesmo barco. Não é verdade, estamos naufragados num mesmo oceano, alguns em esplêndidos navios, outros em luxuosos iates, há quem esteja à deriva em uma pequena embarcação, se equilibrando sobre um bote, ou agarrado a um tronco de árvore. Duzentos e sessenta mil brasileiros, no entanto, já se afogaram nesse oceano.

Os que olham para a água desde seus majestosos navios e iates, parecem pouco se importar com os afogados, ou com os que tentam se salvar. É como se, para eles, a vida humana não tivesse muito valor. São alimentados pela ilusão de que o vírus respeitará suas imponentes embarcações. Esquecem que um vírus, assim como eles, não tem consciência.

Muitos dos sobreviventes nos barcos pequenos, acreditam nas mentiras contadas pelos habitantes das luxuosas embarcações, que gritam com seus megafones: “tirem essas máscaras, são elas que lhes sufocam!!”; “Estamos jogando medicamentos preventivos e feijões milagrosos ao mar para salvar vocês!!”; “Não acreditem na ciência, ela quer fazê-los prisioneiros!!”.

Muitos, dos ainda sobreviventes, agarram-se a qualquer esperança, ainda que mentirosa, de viver com a liberdade que nunca tiveram. Pensam que sobreviver não é viver. Que vida é festa, é junção, é bebedeira, música alta. Há quem grite que vida é ar entrando livremente pelos pulmões, é sangue circulando livremente por veias e artérias. Mas, seus gritos não ecoam.

Muitos dizem estar cansados de “apenas” sobreviver. Os que se abrigam nas soberbas embarcações gritam, pedindo liberdade. Os náufragos das jangadas, botes e barquinhos reclamam, pedindo liberdade. Os que estão agarrados aos troncos, tentam apenas respirar, rezando para não entrarem para a estatística dos afogados.

Assim, seguimos naufragados, sem sair do lugar, apenas com alguns se mantendo à deriva e outros afundados. Para sobreviver é imprescindível estarmos vivos. Quando estivermos em terra firme, poderemos celebrar a vida com alegria. Quanto mais vidas salvarmos, mais amigos teremos para essa celebração. Enquanto isso, é preciso não deixar que mais embarcações ou troncos de árvores afundem. 

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