quinta-feira, 21 de maio de 2020

CARTA DE UMA ESTUDANTE DA MEDICINA PARA A SOCIEDADE



Tenho uma amiga querida, estudante do quinto ano do curso de medicina, que numa conversa (pelo whatsApp é, claro) contou-me que, para tentar organizar seus sentimentos, especialmente neste tempo, onde sua sala de aula (o hospital) tornou-se o lugar onde há maior risco de contágio por coronavírus, entre outros bichinhos um pouco menos preocupantes nesse momento, ela escreve em um diário. A escrita, ainda que pessoal, é sempre um modo de organizar sentimentos e pensamentos.
Minha amiga, naturalmente preocupada com o momento e perplexa com o modo como tantas pessoas negam os fatos, as evidências científicas, a experiência dos outros países, a orientações da Organização Mundial da Saúde e o incrível número de mortos por COVID-19 em nosso país - que só faz aumentar, com uma velocidade assustadora- , e ainda mais espantada com o desrespeito  para com a vida humana e com os profissionais que por ela zelam, escreveu uma carta endereçada à Sociedade.
Trago para essa nossa conversa, trechos da carta de minha amiga, para que eles e ela possam nos ajudar a pensar um pouco melhor sobre tudo isso, pelo olhar de quem está do outro lado, ajudando a salvar vidas.
“Querida Sociedade, falo na voz de uma futura profissional da saúde que, todos os dias, está buscando fazer o seu melhor para ajudar nesse momento crítico em que a humanidade vive. [...] Durante minha trajetória como interna no hospital onde concluo meus estudos, observo, para dentro e para fora das paredes do hospital, pouco de humanidade em nossa espécie. Não refiro-me aos profissionais da saúde, a eles só tenho elogios, pois, assim como eu, estão longe dos que amam, com horas de descanso reduzidas, com medo crescente de se contagiar e transmitir esse vírus para seus familiares e para os que se dedicam a cuidar.
A falta de humanidade que percebo vem das pessoas que não se cuidam e colocam em risco a vida dos outros. Dos que se exaltam, sem ao menos tentar compreender o cotidiano intenso de uma equipe de saúde, que neste momento torna-se ainda mais tenso e preocupante. Falo daqueles que esquecem que a vida é nosso bem mais precioso, e que ela deve ser sempre tratada com cuidado e carinho. Não compreendo porque essas pessoas escolhem não ver os profissionais da saúde como seres humanos que se dedicam a salvar vidas, preferindo vê-los como inimigos da economia e da sociedade.
Cara Sociedade, é pelos seus que estudamos e trabalhamos. Você já parou para pensar na responsabilidade de ter uma vida nas mãos e nem sempre conseguir salvá-la? Consegue imaginar a dor e a frustração que sentimos quando uma vida deixa precocemente este mundo e culpa por não conseguir salvar alguém, que é o amor de outro alguém?” Será que a você ainda consegue aprender com a Senhora Dona Empatia, para que não percamos nossa humanidade, Senhora Dona Sociedade?!


quinta-feira, 14 de maio de 2020

EFEITO BORBOLETA



Tem histórias que nos tocam de modo diferente. Algumas nos emocionam, despertam memórias, sensações, outras nos fazem pensar ou embaralham o pensamento. Uma boa narrativa ficcional, pode servir como metáfora para compreendermos a vida e seus desafios.
Eu sou desse tipo de gente que busca sentido nas narrativas. Muitas vezes elas acalmam o tsunami dentro do meu peito. Outras vezes, porém, são elas que o provocam. Nos dois casos, frequentemente, me ajudam a pensar. Por esta razão, tem histórias que releio, filmes que revejo, músicas que revisito.
Efeito Borboleta é uma dessas histórias. Nesse filme, Evan, o personagem principal, pode viajar no tempo. Com o poder de voltar ao passado, Evan tenta inúmeras vezes modificar os acontecimentos, para que o futuro de seus amigos de infância seja diferente no momento presente. Toda vez que altera o passado, porém, Evan modifica também o futuro.
Estamos no meio de uma pandemia mundial, podemos dizer que vivemos um momento de caos, lutando para nos proteger de um inimigo invisível, capaz de aniquilar muitas vidas. Vivemos algo que antes só havíamos assistido em filmes de ficção científica ou pelos telejornais, mas com tamanho distanciamento geográfico que também parecia ficção. Agora a ficção virou realidade na nossa porta.
Podemos pensar em como teria sido, - como estaria sendo -  se alguns meses atrás, esse vírus não tivesse mudado sua forma de apresentação, ou se não tivesse saído do continente asiático. O que aconteceu ali atrás, mudou o nosso presente e mudará nosso modo de viver e nos relacionarmos no futuro. Isso é fato. Mas, diferente de Evan, não podermos mudar o passado. Podemos, no entanto, mudar o futuro.
O dia de hoje, amanhã já será passado. O que você está fazendo hoje para mudar o futuro? Qual a sua contribuição para que possamos voltar a conviver mais de perto, uns com os outros, de modo seguro para todos? Esse convívio seguro, ainda que diferente do que era antes, só acontecerá quando conseguirmos aprender a conviver mais tranquilamente com esse bichinho que anda solto por aí.
Se você escolhe usar máscara para sair na rua, manter distanciamento necessário e seguro, se escolhe colocar as roupas ao sol quando chega em casa; lavar os alimentos e compras, com água e sabão, antes de guardá-los, se você faz o que precisa ser feito, sem que haja necessidade de decreto algum (ou ainda que por decreto), o futuro será um. Se você escolhe negar a realidade e fazer o que lhe é mais cômodo, o futuro será muito diferente. E assim como no filme, as escolhas de uma pessoa modifica o futuro de todos.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

A FRUTA NÃO CAI LONGE DO PÉ


Minha mãe é daquele tipo de gente que não sabe viajar sem comprar presentinho pra todo mundo. Também adora fazer doces para agradar a família e os amigos. A ambrosia e a rapadurinha de leite dela, por sinal, são as melhores desse mundo todinho. Acho que herdei dela esse jeito de fazer carinho, através do alimento e das pequenezas cotidianas.
Meu pai, por sua vez, me ensinou a escutar música, a pesquisar na Enciclopédia Barsa (falo de um tempo onde não existia internet) e a dançar twist. Ele também tinha por hábito preparar ovo cozido com gema mole ou feijão com pão (adoro!) numa cumbuquinha. Ou seja, meu pai era - e ainda é - um pãi.
Essas memórias são da minha infância, embora minha mãe siga comprando presentinhos quando viaja e fazendo as melhores rapadurinhas de leite e ambrosia do mundo todinho. Acontece que, quando chega a adolescência, a gente precisa de espaço e autonomia para se autoafirmar enquanto sujeito. Daí começa a inventar modos de se mostrar diferente do pai e da mãe. Afinal, é preciso provar para o mundo que somos uma pessoa única, diferentona.  Essas experiências vividas e sentimentos sentidos da fase da adolescência, só iremos compreender em sua parcial totalidade, quando nos tornamos pais e mães de adolescentes.
A vida segue seu curso e quando nos tornamos adultos, especialmente depois que temos filhos, sobrinhos ou afilhados, fazemos uma espécie de seleção daquelas qualidades que nos agradavam em nossos pais e tentamos imitá-los. Algumas vezes acertamos, outras escorregamos. E haverão aquelas características que, mesmo a contragosto, a gente herda. Afinal, a fruta não cai longe do pé.
Trago essas memórias, porque neste momento tão frágil, de distanciamentos necessários, cuidados muitos, aprendizagens outras, precisamos aprender, entre tantas coisas, outros modos de (con)viver, de estar juntos, de celebrar a vida. Fico pensando no quão fundamental são as memórias afetivas para sustentar esse momento. Para assegurar os laços, para dar sentido a este tempo que parece sem sentido.
Neste Dia das Mães, não quero que meu filho saia de casa para comprar presentes. Também não abraçarei minha mãe enlaçando-a em meus braços. Neste dia das mães, quero que presença e memória façam-se abraço. Quero tempo para lembranças e para viver o presente em suas delicadezas cotidianas. Quero dar e receber carinho que se faz através do alimento, da música, do cuidado.
Que cada um possa encontrar um modo de viver o tempo presente, porque o futuro é incerto, como sempre foi. Sempre acreditamos que o horizonte estava lá e o que nos fazia caminhar era a utopia. Perdemos o horizonte, mas não podemos perder a utopia. Precisamos aprender a desenhar um outro horizonte, juntos. Mas para isso, precisamos estar aqui, vivos. Cuidem-se!! Que neste Dia das Mães, o cuidado seja o maior presente. 
* A foto é da minha amiga Ludmila Faria Mendes (obrigada pela partilha, Lud)