quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

UM ANO PARA GUARDAR NA MEMÓRIA

O ano vai chegando ao fim. 2020 foi um ano atípico. Ouço pessoas dizendo que querem pular 2020, passar uma borracha nele, não contá-lo como ano vivido. Eu, no entanto, quero manter bem vivas todas as lembranças desse tempo. Só aprendemos, de fato, com as experiências vividas. Por isso, quero deixar tudo bem guardadinho na memória. Passar uma borracha é não aprender nada com o que vivemos.

Estamos no meio de uma pandemia que abalou o mundo e já matou quase dois milhões de pessoas em todo o planeta. De uma hora para outra, tivemos que aprender a viver afastados de quem amamos e, por um tempo maior para uns e menor para outros, inteiramente distantes dos colegas de trabalho ou de escola. Fomos impedidos de compartilhar nosso chimarrão, de sair com os amigos, de mostrar o sorriso e partilhar o abraço.

Em 2020, também vimos crescer a intolerância, os discursos de ódio, os movimentos chamados de negacionistas, que negam a existência da pandemia, negligenciam a dor de quem perdeu alguém querido, ignoram os avanços da ciência, para dar vez e voz a discursos alarmistas e notícias falsas. Para aprender qualquer coisa, é preciso desejo e esforço. Quem insiste em usar antolhos não tem desejo de aprender, por isso, não se esforça para tirá-los.

Mas, nem tudo foi difícil ou triste em 2020. Ao longo deste tempo de distanciamento social, descobrimos novas formas de nos encontrar, de celebrar a vida, de aprender, de cooperar, de andarmos juntos. Vi redes de solidariedade se formar e se fortalecer. Vi, muita gente se esforçando para ajudar a cuidar da saúde das outras pessoas. Esse cuidado se fazia presente em atitudes simples, como fazer uso correto da máscara, e também em ações maiores, doando e preparando alimentos para pessoas que precisavam, oportunizando algum conforto para quem tinha mais necessidade, promovendo momentos de leveza e saúde mental, através de lives e vídeos, compartilhando leituras e poesia, divulgando informações relevantes, apoiando quem precisava, se fazendo presente na vida das pessoas.

Se passarmos uma borracha em 2020, repetiremos os mesmos erros nos anos seguintes. Eu quero mesmo é lembrar de tudo que foi bom e também do que não foi. Quero que 2020 fique muito bem guardadinho na memória e que o vivido até aqui, inspire o vem pela frente. Que 2021 chegue trazendo a vacina e também bom senso e lucidez. Que à meia noite todos os antolhos desapareçam, que a vida siga seu curso e cada pessoa compreenda que é responsável por ela. Feliz 2021!!


quarta-feira, 25 de novembro de 2020

PRECISAMOS MAIS DO QUE TEMOS?

 

Há certas situações, imagens, sons, que fazem o cérebro humano reagir quase que instintivamente. Falo quase, porque são reações aprendidas. Algumas dessas reações são importantes em muitas circunstâncias, podendo até mesmo salvar nossa vida, ou a vida de outras pessoas. Outras, no entanto, são apenas gatilhos inúteis.

Um exemplo claro é o modo como muitos seres humanos reagem à palavra PROMOÇÃO. Este não é um som que dispare gatilho em nenhum outro animal. Muitos tornam-se irracionais frente à essa palavra, que ganhou outra dimensão depois da popularização do termo BLACK FRIDAY.

Quando ouvimos a palavra PROMOÇÃO sentimo-nos tentados a comprar algo. Essa é uma reação emocional, não uma resposta racional para o que se apresenta. Quantas vezes você já comprou algo que não precisava, ou que depois nem chegou a usar, só porque estava em promoção, ou estava barato.

Como estamos no mês da Black Friday e logo ali na frente vem o Natal, escolhi partilhar com vocês alguns dos 12 princípios do consumo consciente, proposto pelo Instituto Akatu. Para eles, consumir com consciência é consumir diferente, tendo no consumo um instrumento de bem estar e não um fim em si mesmo.

Sendo assim, destaco aqui alguns destes princípios que merecem leitura e reflexão, antes de nos jogarmos nas tentadoras promoções de novembro e dezembro. (1) Planeje suas compras, não seja impulsivo. Planeje antecipadamente e, com isso, compre menos e melhor; (2) Consuma apenas o necessário, reflita sobre suas reais necessidades antes de comprar algo; (3) Use crédito conscientemente. Pense bem se o que você vai comprar a crédito não pode esperar e esteja certo de que poderá pagar as prestações; (4) Conheça e valorize as práticas de responsabilidade social das empresas. Valorize as empresas que demonstram responsabilidade para com funcionários, sociedade e meio ambiente; (5) Reflita sobre seus valores. Avalie constantemente os princípios que guiam suas escolhas e seus hábitos de consumo.

Economia também é evitar desperdício, deixando de comprar coisas desnecessárias. Experimente ir ao mercado com lista de compras e você verá a diferença. Com a lista em mãos, entramos no mercado e vamos certeiros naquelas prateleiras que possuem os produtos que realmente precisamos, pois já identificamos em casa a sua necessidade. Sem lista, ficamos vagando entre as prateleiras, sendo tentados a comprar coisas absolutamente desnecessárias, gastando muito mais, quando passamos pelo caixa. Neste final de ano, avalie o que realmente é indispensável para você. Comprar na promoção não é, necessariamente, sinônimo de economia, comprar sem ir muito além do necessário é. 


quinta-feira, 15 de outubro de 2020

AMIZADE É BEM QUERER

Quando meu filho era pequeno, volta e meia me perguntava quem, entre meus amigos, era meu melhor amigo. Difícil explicar para uma criança que, quando crescemos, podemos ter vários melhores amigos.

Para os pequenos, todos os amigos são amigos de infância. Para os adultos, nem todos os amigos de infância seguem sendo amigos, alguns tornam-se apenas bons conhecidos ou conhecidos distantes.

Tenho um amigo que diz haver diferença entre amizade e parceria. Segundo a classificação dele, existem pessoas que são excelentes parcerias para festas e encontros casuais e existem os amigos. Depois de um bom tempo tentando entender essa classificação, compreendi que amizade nutre-se de um bem-querer que não se esgota, enquanto a parceria necessita de um bem-querer apenas para aquele instante de convivência.

Tenho amig@s que conheci em momentos aleatórios, em instantes curtos de convivência, mas que o bem-querer foi nutrido. E, daquela semente pequenininha, jogada ao léu, brotou uma amizade. Alguns amigos e amigas muito queridos, encontrei pessoalmente apenas uma vez. E tenho amig@s que nunca encontrei pessoalmente, pois a distância física entre nós é enorme. Mas, apesar da distância, nos queremos bem, acompanhamos as histórias uma da outra, nos alegramos nas vitórias, nos fazemos presença nos momentos difíceis. A essa presença, necessária para vida, chamo amizade.

Verdadeiros amigos não precisam estar juntos o tempo todo, não exigem exclusividade, não necessitam de uma longa história ao nosso lado para saber de nossa amizade, nem precisam de beijos e abraços diários para saber que lhes queremos bem.

Amigos, no entanto, precisam ser lembrados, e saber que são lembrados de um modo especial, por quem lhes quer bem. É muito bom receber uma mensagem com seu nome, uma imagem que diz que lembramos especialmente del@ e não de uma multidão aleatória, um telefonema, uma chamada de vídeo, uma pequena lembrança. Há muitas formas de se fazer presença numa amizade. Como você tem se feito presença na vida de seus amigos?

* Este texto escrevi pensando num tantão de amigos queridos que me inspiram, apesar e para além do distanciamento social ou geográfico.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

APROVEITE A VIDA

Maria do Socorro é uma velha senhora, com dois olhos de vidro, um cinza e outro vermelho, tem cabelo desgrenhado, anda de bengala e usa bota de couro num pé só. No outro pé, dizem, usa um sapato de couro com chulé de queijo e um rato.  Maria do Socorro é tão feia quanto cheia de amor pela vida. Todos os dias, ao se levantar, diz aos bichinhos que moram com ela: “Ora bichinho, que dia lindo, o sol nasceu e você dormindo!! Levante da cama e vá correr, aproveite a vida antes de morrer!!”

“Maria do Socorro” é um livro infantil, de autoria do escritor carioca Leandro Pedro. Como todos os bons livros escritos para a infância, é um livro para ser lido por pessoas de todas as idades. Alguns podem dizer que a história fala sobre a morte, outros podem compreender que é uma história sobre valorização da vida. A morte é considerada um tema tabu, especialmente na literatura para a infância. No entanto, a morte é real. Não falar na morte, não fará com que ela deixe de existir, ou que deixemos de sofrer quando perdemos alguém querido. 

O mês de setembro, aqui no Brasil, traz a primavera, uma estação que é um convite para aproveitar vida, como recomenda Maria do Socorro. Os passarinhos começam a cantar cedinho, as flores desabrocham, o ambiente fica mais colorido, o frio vai embora. Dá vontade de ir pra rua, caminhar, apreciar a natureza, viver.  É neste mês, tão cheio de cores, que é realizada uma mobilização mundial chamada Setembro Amarelo.

O Setembro Amarelo é um movimento dedicado à prevenção e conscientização contra o suicídio. Se a morte é um tema tabu, o suicídio é um assunto ainda mais delicado. Não falar sobre depressão e suicídio não salvará a vida de ninguém, do mesmo modo como não falar sobre câncer ou AVC, não é a melhor estratégia para prevenir essas doenças. É preciso falar, olhar de frente para o problema, para saber como enfrentá-lo e, principalmente, como prevenir ou ajudar outra pessoa.

No entanto, tão importante quanto mobilizar a sociedade, para conscientizar as pessoas sobre a necessidade de falar sobre suicídio, identificar sinais da ideação suicida e como ajudar ou buscar ajuda, é também importante falar sobre valorização da vida. Porque prevenção é feita de medidas precoces e prática cotidiana. Há que se valorizar a vida todos os dias, assim como faz Maria do Socorro, para que o desejo de viver prevaleça, apesar das doenças, das limitações, do cotidiano.




quinta-feira, 27 de agosto de 2020

DIREITO À DIFERENÇA

Parece tão batido falar em combater o preconceito e a discriminação. E, de fato, não seria necessário combatê-los, se não existissem pessoas preconceituosas, que discriminam outras pessoas por sua crença, raça ou condição. Mas, como o desumano compõe o humano, são necessárias leis que assegurem, em alguma medida, o convívio entre os iguais na espécie, ainda que diferentes em suas características, credos e culturas.

Há 56 anos, de 21 a 28 de agosto, é celebrada a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla. Mas, apenas em dezembro de 2017, foi sancionada a lei nº 13.585, que coloca esta data oficialmente no calendário nacional e a reconhece como um período não apenas festivo, mas também de reflexões e combate ao preconceito.

A lei diz que “as comemorações da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla visam ao desenvolvimento de conteúdos para conscientizar a sociedade sobre as necessidades específicas de organização social e de políticas públicas para promover a inclusão social desse segmento populacional e para combater o preconceito e a discriminação”.

Que maravilha seria a vida, se já tivéssemos compreendido que todos somos iguais em direitos, ainda que diferentes em condições de observar e perceber o mundo e aprender com nossas experiências, ainda que desiguais nos modos de andar pela cidade, de frequentar a escola e o trabalho, de exercer a cidadania. Mas, ainda olhamos para o diferente com estranhamento, medo e até desprezo, como se o diferente de mim, fosse um alienígena.

Alteridade trata das relações com o outro, sendo descrita como uma qualidade que se constitui através de relações de contraste, onde eu me distingo e diferencio do outro e o reconheço como diferente de mim. Mas, é preciso, antes de tudo, reconhecê-lo, como sujeito único, que diferente de mim, faz com me torne único também, em potencialidades e limitações.

A luta das pessoas com deficiência é uma luta por igualdade de direitos. Pelo direito de locomover-se, de estudar, de aprender, de trabalhar, de ser reconhecido em suas potencialidades e não apenas em suas limitações.

Neste ano de 2020, o tema da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla é “Protagonismo Empodera e Concretiza a Inclusão Social”. Um tema que não poderia ser mais apropriado para lembrar esses 56 anos de luta pelo protagonismo da pessoa com deficiência. Estamos ainda engatinhando, que possamos seguir em frente, de cabeças erguidas, andando juntos, de mãos dadas, mas cada um do seu jeito, com sapatos, tênis, bengalas ou cadeiras adaptadas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

AOS MESTRES COM CARINHO

 

Das muitas memórias de infância que trago na lembrança, estão as brincadeiras de “aulinha”, tanto aquelas em que eu brincava de ser professora das minhas bonecas, quanto as que minha amiga Vanisse, escrevendo com giz num pedaço de madeira, imaginava ser minha professora e de seus irmãos. Não sei se as coisas aconteceram exatamente assim, mas são essas as imagens que carrego na memória.

Talvez, porque meus pais fossem professores apaixonados, ou porque o espaço escolar fizesse parte do meu mundo, desde muito pequena, eu sempre quis ser professora. Também quis ser bailarina, caminhoneira, publicitária, mas nunca deixei de me imaginar na personagem da professora.

No ensino médio, cursei magistério e, entre as professoras que me desafiaram a pensar o mundo para além das margens dos rios que cercavam a minha cidade, estava Nara. Mulher imponente, com vozeirão potente e sorriso largo. Lembro que, nas tardes quentes, Nara permitia que tivéssemos aulas embaixo de uma árvore. Ter aula fora das paredes da sala de aula, nos parecia muito revolucionário naquele momento.

Talvez, por ter crescido dentro da escola, por ter tido pais professores e convivido com mestres inspiradores, os filmes que contam histórias de professores apaixonados e revolucionários, sempre me encantaram. Lembro, num único piscar de olhos, de filmes como “Ao Mestre com carinho” (1967), “Conrack” (1974), “Sociedade dos poetas mortos” (1990), “O sorriso de Monalisa” (2003), “Escritores da Liberdade” (2007), “Entre os mundos da escola” (2008).

Os professores Mark Thackeray, Pat Conroy, John Keating, Katherine Watson, Erin Gruwell e François Marin, personagens destes filmes são fortes, revolucionários, inspiradores no seu modo de compreender o mundo e nas metodologias que utilizavam. Embora todos eles tenham passado por grandes desafios, nenhum enfrentou uma epidemia mundial.

Nossos professores, aqueles que moram fora das telas do cinema e da TV, especialmente os que lecionam em escolas públicas, e que, apesar dos desafios cotidianos da docência, deparam-se todos os dias com condições precárias de trabalho, má remuneração (isso quando não tem seus salários parcelados), falta de reconhecimento e de respeito pela sua trajetória, pouco ou nenhum incentivo para qualificação profissional, são cobrados como se, dentro e fora dos muros da escola, vivêssemos num universo paralelo.

Esses professores reais, estão ainda mais sobrecarregados, precisando aprender a lidar com tecnologias que nunca tiveram contato. Falo daqueles que tem acesso a alguma tecnologia, porque muitos não o tem. E quando tem, precisam pensar em estratégias de ensino para alunos que possuem e para os que não tem acesso à virtualidade. Só quem é professor, ou convive com um, sabe o desgaste do acúmulo de tarefas inacabáveis, de cobranças intermináveis, porque passam nossos professores neste período.

Não abrir as escolas durante uma pandemia, não é preguiça, não é falta de vontade de trabalhar, porque todos estão trabalhando muitas vezes mais do que se estivessem com suas crianças e seus estudantes em sala de aula. Se a vida não está fácil para os estudantes e suas famílias, tenha certeza que não está mais fácil para os professores, que além de docentes, também são pais e mães. 

O ano não estará perdido se chegarmos em 2021 vivos, com saúde e sem perder as pessoas que amamos. O ano só está perdido, até o momento em que escrevo este texto, para os mais de cento e onze mil brasileiros que morreram em razão da COVID-19 e para os outros milhares que também partiram em razão de outras doenças.

Por isso, se você está vivo e com saúde, agradeça e se esforce para fazer valer os trabalhos daqueles que estão dando o seu melhor para que possamos passar por tudo isso sãos e salvos.

domingo, 19 de julho de 2020

DOIS ANOS DO ESPAÇO DE LEITURA ERA UMA VEZ DO HOSPITAL SANTA CRU


Quando o Arthur (meu filho) nasceu, o primeiro lugar para onde foi levado, foi a UTI Pediátrica do Hospital Santa Cruz. Foi lá que começamos a nos conhecer. E foi lá que fomos descobrindo juntos que a vida não seria exatamente como tínhamos planejado. Nos 8 anos de vida do Tutuks aqui nesse planetinha, inúmeras vezes na UTI Pediátrica do HSC e outras tantas para a enfermaria, a fim de tentar minimizar suas tempestades cerebrais. Ao longo daqueles 8 anos nossa família conheceu muita gente bacana, médicos, equipe de enfermagem, fisioterapeutas, nutricionistas, equipe da copa, do lactário e da higienização. Conhecemos também muitas mães, especialmente mães de bebês pequenininhos e frágeis, que tiveram pressa para nascer. A gente vive uma rotina diferente quando estamos no hospital, mas quando moramos na mesma cidade, temos família, babá, amigos, um montão de gente pra ajudar a resolver a vida.
Muitas mães de bebês apressados, no entanto, moram longe e não tem ninguém pra partilhar as angústias, o cansaço, a rotina. Aprendi, ao longo desses anos, que quando cabeça de mãe fica cansada, muitos pensamentos que não são legais passam por lá. Por isso, sempre lia muitas histórias e ouvia muitas canções, dentro e fora da UTI, para fortalecer laços vitais.
Em 2018, durante a última internação hospitalar, fui contar histórias na Pediatria e a equipe da UTI me pediu para contar para elas também. Contei para equipe de enfermagem e para as mães. Depois, conversamos um pouco e falei de como era importante para mim, contar histórias para meus filhos, como sinto que as histórias me colocam numa conexão bacana com eles.  Sugeri que lessem para seus pequenos. Histórias embalam, como o colo que gostariam, mas ainda não podiam dar a seus pequeninos. Depois, me dei conta que não haviam livros para elas ler.
Foi então que nasceu a ideia de criar um pequeno espaço de leitura, com livros infantis e de contos que pudessem ficar à disposição das mães e pais, dentro do espaço que dá acesso à UTI e à UCI do Hospital Santa Cruz. A ideia brotou com uma certa urgência, pois as mães e seus bebês estavam ali. Conversei, troquei ideia, articulei e nasceu o Espaço Era Uma Vez, com todos os cuidados para a higienização dos livros. Hoje o Espaço Era Uma Vez completa 2 anos 🤩 Tenho certeza que o Asteróide B612 também está em festa!! 🥳









quinta-feira, 18 de junho de 2020

ENCONTROS E DESENCONTROS



Conheço muitas pessoas que não gostam de ir ao super mercado fazer compras. Eu, no entanto, sou daquelas que sempre gostou. Pra mim, ir ao mercado era momento garantido de encontro com algum amigo. Quando vou à minha cidade natal, adoro ir ao mercado, à farmácia, à loja de ferragens, pois sei que vou encontrar algum conhecido ou amigo de infância.
Difícil pra mim é fazer uma comprinha rápida, já que é muito improvável conseguir ir ao mercado sem ficar de conversa com alguém. Sou daquelas que, se deixar, puxa conversa com a menina da fiambrería, faz aula com o senhor que organiza as frutas (ele sempre tem dicas ótimas), troca receita com a moça do caixa.
Isso tudo, porém, foi antes das idas ao mercado necessitarem de tanto cuidado, foi antes de precisarmos nos afastar para mostrar que nos importamos com aqueles que amamos. Agora, a gente vai às compras com máscara no rosto, e do sorriso vemos só os olhos apertadinhos, a palavra é abafada, o abraço virou aceno.
Ontem eu fui ao mercado, coisa que faço com muito menos frequência hoje em dia. Agora, vou às compras torcendo para não encontrar nenhum amigo, porque é muito difícil encontra-los e não poder abraçar. Mas, ontem eu fui ao mercado e, no meio das compras, encontrei um grande e querido amigo, daqueles que o encontro foi sempre uma grande celebração. Ontem, no entanto, eu congelei. Eu não sabia o que dizer e o meu peito não sabia o que sentir. Eu não podia abraçar, não podia enxergar o sorrisão, são sabia como celebrar a alegria do encontro sem as ferramentas que sempre usamos.
Hoje, um outro amigo querido escreveu uma mensagem dizendo que para ele, a grande dificuldade desse tempo de quarentena é não poder abraçar as pessoas.  Eu novamente congelei. Como era mensagem, fiquei sem um emoji que expressasse o que eu sentia e sem palavra que substituísse o emoji que não existia.
A ciência já começou a desenvolver vacinas para que possamos aprender a conviver com esse vírus, de modo que nosso corpo possa sofrer menos quando em contato com ele. Mas a ciência não terá ferramentas para nos ajudar a lidar com as emoções desse tempo.
Quando tudo isso passar, precisaremos reinventar os afetos, reaprender a abraçar, pois o abraço (ao menos por um tempo) já não será espontâneo como antes. Será preciso avaliar os prós e contras de cada abraço.
Que a gente não se perca, que saibamos nos cuidar agora do modo correto, que sejamos fortes para manter os laços e sábios para reaprendermos a estar próximos, sem perder a vista do horizonte que sustenta alguma utopia. 

quinta-feira, 4 de junho de 2020

O QUE APRENDER EM TEMPOS DIFÍCEIS


Ei, psiu!! Você!! Sim, você aí que está lendo esse texto!! Como vai você nessa quarentena? Já começou a se cuidar ou segue tomando todos os cuidados necessários para cuidar de si e dos seus? São tempos estranhos esses. Muitos ainda não acreditam que esse vírus exista e que possa ser potencialmente fatal, mesmo ele já tendo, sozinho, levado mais de 30 mil vidas, em poucas semanas, em nosso país.
Há quem diga que não conhece ninguém que tenha morrido em função do coronavirus, que isso é só uma gripezinha, que se matar velhos tudo bem, que morrer faz parte da vida.  É verdade, morrer faz parte do ciclo da vida. Ou melhor, morrer encerra o ciclo da vida. Mas, não é por essa razão que eu irei achar normal e razoável tantas vidas perdidas sem sentido.
O número de mortos, apenas por COVID-19, nos últimos três meses no Brasil é quase quatro vezes maior do que a população inteira do município onde moram meus pais. Como eu posso pensar que isso é irrelevante? Como poderia não me sensibilizar? Que tipo de seres humanos estamos nos tornando ao minimizarmos as mortes de mais de trinta mil brasileiros?
No início desse processo todo, muitos diziam que sairíamos pessoas melhores desse período. Eu já suspeitava que não. Queria muito estar errada na minha suspeita. No entanto, o que vejo nas redes sociais e telejornais são manifestações do que de pior poderia ter aflorado nas pessoas. A pressão faz isso, faz explodir os piores sentimentos.
É preciso ser muito forte para aceitar, com alguma serenidade, a realidade de uma pandemia e viver todas as suas consequências. É preciso ter muita empatia e amorosidade para pensar fora da caixa e olhar para além do próprio umbigo e das perdas pessoais. É preciso ser gente pra não desejar a destruição do outro, pra não torcer contra a vida, pra não distorcer a ciência, nem desqualificar os profissionais que estão dedicando seu dia a dia a minimizar as perdas e potencializar a vida.
Que possamos aprender, nesse momento e a partir dele, a sermos mais fortes, serenos, empáticos, amorosos, humanos, solidários. São tantos que precisam da nossa ajuda, de tantos modos diferentes. Não dá pra ajudar todo mundo, mas dá pra usar máscara e lavar as mãos, dá pra se esforçar para entender as dificuldades e limitações do outro, dá pra dialogar mais e acusar menos, dá pra valorizar os profissionais da saúde, da educação, da higiene e da alimentação, que estão se desdobrando para minimizar os impactos deste momento, dá para apoiar os profissionais da cultura e os artistas, que nunca trabalharam tanto sem cachê algum. Dá para valorizar as pessoas e tentar compreender a situação de cada um. Dá para valorizar a vida no lugar de desdenhar a morte.  


quinta-feira, 21 de maio de 2020

CARTA DE UMA ESTUDANTE DA MEDICINA PARA A SOCIEDADE



Tenho uma amiga querida, estudante do quinto ano do curso de medicina, que numa conversa (pelo whatsApp é, claro) contou-me que, para tentar organizar seus sentimentos, especialmente neste tempo, onde sua sala de aula (o hospital) tornou-se o lugar onde há maior risco de contágio por coronavírus, entre outros bichinhos um pouco menos preocupantes nesse momento, ela escreve em um diário. A escrita, ainda que pessoal, é sempre um modo de organizar sentimentos e pensamentos.
Minha amiga, naturalmente preocupada com o momento e perplexa com o modo como tantas pessoas negam os fatos, as evidências científicas, a experiência dos outros países, a orientações da Organização Mundial da Saúde e o incrível número de mortos por COVID-19 em nosso país - que só faz aumentar, com uma velocidade assustadora- , e ainda mais espantada com o desrespeito  para com a vida humana e com os profissionais que por ela zelam, escreveu uma carta endereçada à Sociedade.
Trago para essa nossa conversa, trechos da carta de minha amiga, para que eles e ela possam nos ajudar a pensar um pouco melhor sobre tudo isso, pelo olhar de quem está do outro lado, ajudando a salvar vidas.
“Querida Sociedade, falo na voz de uma futura profissional da saúde que, todos os dias, está buscando fazer o seu melhor para ajudar nesse momento crítico em que a humanidade vive. [...] Durante minha trajetória como interna no hospital onde concluo meus estudos, observo, para dentro e para fora das paredes do hospital, pouco de humanidade em nossa espécie. Não refiro-me aos profissionais da saúde, a eles só tenho elogios, pois, assim como eu, estão longe dos que amam, com horas de descanso reduzidas, com medo crescente de se contagiar e transmitir esse vírus para seus familiares e para os que se dedicam a cuidar.
A falta de humanidade que percebo vem das pessoas que não se cuidam e colocam em risco a vida dos outros. Dos que se exaltam, sem ao menos tentar compreender o cotidiano intenso de uma equipe de saúde, que neste momento torna-se ainda mais tenso e preocupante. Falo daqueles que esquecem que a vida é nosso bem mais precioso, e que ela deve ser sempre tratada com cuidado e carinho. Não compreendo porque essas pessoas escolhem não ver os profissionais da saúde como seres humanos que se dedicam a salvar vidas, preferindo vê-los como inimigos da economia e da sociedade.
Cara Sociedade, é pelos seus que estudamos e trabalhamos. Você já parou para pensar na responsabilidade de ter uma vida nas mãos e nem sempre conseguir salvá-la? Consegue imaginar a dor e a frustração que sentimos quando uma vida deixa precocemente este mundo e culpa por não conseguir salvar alguém, que é o amor de outro alguém?” Será que a você ainda consegue aprender com a Senhora Dona Empatia, para que não percamos nossa humanidade, Senhora Dona Sociedade?!


quinta-feira, 14 de maio de 2020

EFEITO BORBOLETA



Tem histórias que nos tocam de modo diferente. Algumas nos emocionam, despertam memórias, sensações, outras nos fazem pensar ou embaralham o pensamento. Uma boa narrativa ficcional, pode servir como metáfora para compreendermos a vida e seus desafios.
Eu sou desse tipo de gente que busca sentido nas narrativas. Muitas vezes elas acalmam o tsunami dentro do meu peito. Outras vezes, porém, são elas que o provocam. Nos dois casos, frequentemente, me ajudam a pensar. Por esta razão, tem histórias que releio, filmes que revejo, músicas que revisito.
Efeito Borboleta é uma dessas histórias. Nesse filme, Evan, o personagem principal, pode viajar no tempo. Com o poder de voltar ao passado, Evan tenta inúmeras vezes modificar os acontecimentos, para que o futuro de seus amigos de infância seja diferente no momento presente. Toda vez que altera o passado, porém, Evan modifica também o futuro.
Estamos no meio de uma pandemia mundial, podemos dizer que vivemos um momento de caos, lutando para nos proteger de um inimigo invisível, capaz de aniquilar muitas vidas. Vivemos algo que antes só havíamos assistido em filmes de ficção científica ou pelos telejornais, mas com tamanho distanciamento geográfico que também parecia ficção. Agora a ficção virou realidade na nossa porta.
Podemos pensar em como teria sido, - como estaria sendo -  se alguns meses atrás, esse vírus não tivesse mudado sua forma de apresentação, ou se não tivesse saído do continente asiático. O que aconteceu ali atrás, mudou o nosso presente e mudará nosso modo de viver e nos relacionarmos no futuro. Isso é fato. Mas, diferente de Evan, não podermos mudar o passado. Podemos, no entanto, mudar o futuro.
O dia de hoje, amanhã já será passado. O que você está fazendo hoje para mudar o futuro? Qual a sua contribuição para que possamos voltar a conviver mais de perto, uns com os outros, de modo seguro para todos? Esse convívio seguro, ainda que diferente do que era antes, só acontecerá quando conseguirmos aprender a conviver mais tranquilamente com esse bichinho que anda solto por aí.
Se você escolhe usar máscara para sair na rua, manter distanciamento necessário e seguro, se escolhe colocar as roupas ao sol quando chega em casa; lavar os alimentos e compras, com água e sabão, antes de guardá-los, se você faz o que precisa ser feito, sem que haja necessidade de decreto algum (ou ainda que por decreto), o futuro será um. Se você escolhe negar a realidade e fazer o que lhe é mais cômodo, o futuro será muito diferente. E assim como no filme, as escolhas de uma pessoa modifica o futuro de todos.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

A FRUTA NÃO CAI LONGE DO PÉ


Minha mãe é daquele tipo de gente que não sabe viajar sem comprar presentinho pra todo mundo. Também adora fazer doces para agradar a família e os amigos. A ambrosia e a rapadurinha de leite dela, por sinal, são as melhores desse mundo todinho. Acho que herdei dela esse jeito de fazer carinho, através do alimento e das pequenezas cotidianas.
Meu pai, por sua vez, me ensinou a escutar música, a pesquisar na Enciclopédia Barsa (falo de um tempo onde não existia internet) e a dançar twist. Ele também tinha por hábito preparar ovo cozido com gema mole ou feijão com pão (adoro!) numa cumbuquinha. Ou seja, meu pai era - e ainda é - um pãi.
Essas memórias são da minha infância, embora minha mãe siga comprando presentinhos quando viaja e fazendo as melhores rapadurinhas de leite e ambrosia do mundo todinho. Acontece que, quando chega a adolescência, a gente precisa de espaço e autonomia para se autoafirmar enquanto sujeito. Daí começa a inventar modos de se mostrar diferente do pai e da mãe. Afinal, é preciso provar para o mundo que somos uma pessoa única, diferentona.  Essas experiências vividas e sentimentos sentidos da fase da adolescência, só iremos compreender em sua parcial totalidade, quando nos tornamos pais e mães de adolescentes.
A vida segue seu curso e quando nos tornamos adultos, especialmente depois que temos filhos, sobrinhos ou afilhados, fazemos uma espécie de seleção daquelas qualidades que nos agradavam em nossos pais e tentamos imitá-los. Algumas vezes acertamos, outras escorregamos. E haverão aquelas características que, mesmo a contragosto, a gente herda. Afinal, a fruta não cai longe do pé.
Trago essas memórias, porque neste momento tão frágil, de distanciamentos necessários, cuidados muitos, aprendizagens outras, precisamos aprender, entre tantas coisas, outros modos de (con)viver, de estar juntos, de celebrar a vida. Fico pensando no quão fundamental são as memórias afetivas para sustentar esse momento. Para assegurar os laços, para dar sentido a este tempo que parece sem sentido.
Neste Dia das Mães, não quero que meu filho saia de casa para comprar presentes. Também não abraçarei minha mãe enlaçando-a em meus braços. Neste dia das mães, quero que presença e memória façam-se abraço. Quero tempo para lembranças e para viver o presente em suas delicadezas cotidianas. Quero dar e receber carinho que se faz através do alimento, da música, do cuidado.
Que cada um possa encontrar um modo de viver o tempo presente, porque o futuro é incerto, como sempre foi. Sempre acreditamos que o horizonte estava lá e o que nos fazia caminhar era a utopia. Perdemos o horizonte, mas não podemos perder a utopia. Precisamos aprender a desenhar um outro horizonte, juntos. Mas para isso, precisamos estar aqui, vivos. Cuidem-se!! Que neste Dia das Mães, o cuidado seja o maior presente. 
* A foto é da minha amiga Ludmila Faria Mendes (obrigada pela partilha, Lud)

quinta-feira, 30 de abril de 2020

CINCO MIL QUINHENTOS E ONZE

No momento que inicio a escrita deste texto, o número de casos confirmados de COVID-19 no Brasil era de 79.361. Destes, mais de 34 mil já haviam se recuperado. Outros 5.511, foram casos sem condição de reversibilidade, 5.511 vidas perdidas. Veja bem, não foram 5.511 mortes no Brasil desde que o coronavírus aportou em terras brasileiras, foram 5.511 mortes apenas pelo COVID-19, em poucas semanas.
No momento em que parte da população brasileira ainda nem entendeu direito o que está acontecendo, enquanto muitos teimosos insistem em negar a existência de um vírus que ainda está fora de controle e outros tantos ainda não conseguem colocar a vida humana como prioridade, o vírus já causou 5.511 mortes no Brasil. A imprensa informa que o número de mortes em algumas regiões do país pode ser sete vezes maior, uma vez que há subnotificação dos casos.
Talvez, a pergunta que deva ser feita todos os dias, antes de levantar da cama, antes de escolher não tomar as medidas de proteção necessárias e defender a anticiência, de pensar fora da razão e colocar a economia acima da vida, como se ela service para alguma coisa, se não houvesse vida, talvez a pergunta primeira deva ser: quantas pessoas da sua família precisam morrer para que você faça o que tem que ser feito?
Porque razão a vida do pai de outra pessoa, vale menos que a vida do seu pai? Porque razão a vida do filho de outra pessoa, vale menos que a vida do seu filho? Porque razão as vidas perdidas não te sensibilizam, não te mobilizam? Porque razão, você escolhe acreditar numa voz desconhecida, que te chega numa mensagem qualquer pelo celular, do que nos cientistas, nos médicos que respeitam a ciência, na Organização Mundial da Saúde? Porque razão?!! Não há razão, quando nossas escolhas são fora da razão, quando nossas escolhas são, porque acreditamos que é assim e ponto.
Acreditar em algo é, quase sempre, bom. Ter fé ajuda a não deixar a peteca cair. No entanto, cresci ouvindo dizer que a fé sem obras é morta. Se você tem fé em algum Deus, alguma entidade, algum Oxirá, algum ser de luz: ore, medite, faça oferendas, dance, mas também, coloque a máscara no rosto, respeite o distanciamento social, lave as mãos, use álcool gel, fique em casa sempre que puder, pare de reclamar e faça a sua parte.
Neste momento, cuidar de si é cuidar do outro. Não se coloque em risco, não coloque a vida de quem você quer bem em risco. Faça a sua parte, para que mais ninguém se perca pelo caminho. Que a dor do outro, seja sua também. Seja responsável! Fique bem! Se puder, fique em casa! Se cuide! Cuide dos seus!

quinta-feira, 16 de abril de 2020

MUDANÇA DE PLANOS


Há pouco mais de trinta dias a minha agenda estava repleta de planos. Trinta e três dias atrás eu estava dançando, embaixo de uma figueira centenária, cercada de gente bacana, com a agenda dos próximos meses recheadinha de cursos para iniciar, oficinas para ministrar, eventos para participar, viagens para realizar e um negócio para inaugurar. Em poucas horas todos os verbos deste parágrafo foram substituídos por ficar, aquietar, cuidar, resguardar, prevenir.
Meus projetos, tão concretamente encaminhados, simplesmente viram-se flutuando num vácuo que eu ainda não consegui assimilar direito. É difícil assimilar uma perda brusca, ainda que seja a perda da rotina. A psicologia chama isso de luto. São cinco as fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Por experiência de vida, tenho uma certa inclinação pessoal por transformar o luto em luta e pular algumas etapas. O problema disso é que, enquanto grande parte do Brasil ainda está, um mês depois das primeiras ações da quarentena, na primeira fase do luto, enquanto tantos seguem negando a pandemia e a existência do vírus, como se tudo isso fosse apenas uma narrativa ficcional, eu já estou em fase de aceitação faz tempo, procurando enxergar a realidade como ela realmente é.
Talvez seja difícil compreender a realidade deste momento, mas não é difícil enxergá-la. Uma dica é ouvir os cientistas e fechar olhos e ouvidos para pseudocientistas e teóricos da conspiração. Teorias da conspiração neste momento, além de não ajudar, atrapalham, causam pânico e desorganizam o pensamento. Este é um momento de unir forças e não de produzir histeria coletiva.
Como vai ser a vida depois? Como vai ficar a economia? Ninguém sabe. O que sabemos é que não estamos sós e que o umbigo do mundo é maior que o meu e o seu umbigo. Não há como prever o futuro. O que sabemos (ou deveríamos saber) é que nossas ações de agora, nosso cuidado de agora, fará toda diferença lá na frente. Penso que sempre soubemos disso, só fazemos de conta que não. Só fazemos de conta que o agora é mais importante, porque só o agora parece real, só ele nos é concreto.
A vida não vai seguir igual depois que formos capazes de conviver pacificamente com o coronavírus. A vida não segue igual depois que temos um filho, depois de perdermos um amigo, depois que passamos pela escola, nem mesmo após termos crescido e deixado pra trás a infância e a adolescência. A vida nunca é igual, não é possível voltar atrás, mas é possível fazer um novo caminho. Que o nosso caminhar seja mais justo, solidário, amoroso, sábio e empático. Antes de reaprendermos a conviver é importante que estejamos vivos. Por isso, se puder, fica em casa!

quinta-feira, 9 de abril de 2020

UMA PÁSCOA RECHEADA DE LENDAS

A Páscoa de 2020 será, certamente, uma Páscoa muito diferente. Os almoços em família serão menores, muitos encontros serão virtuais, outros tantos serão em estado de solitude, no encontro consigo mesmo. Penso que será uma Páscoa especialmente difícil para os avós, que são o maior grupo de risco do corona vírus e que devem, por prudência, ficar afastados de seus netos.
Escrevo esse texto pensando, de modo especial, nos avós, sejam eles avós de sangue ou de coração. Nesta Páscoa em que o distanciamento físico é preciso, que tal puxar uma conversa por telefone, ou fazer uma chamada de vídeo, para contar uma história de Páscoa para os netos consanguíneos ou de coração? Pode ser uma memória ou uma história de Páscoa que você tenha vivido. Só não vale aquele papo de que antigamente tudo era mais difícil. Tem que ser uma história gostosa de contar, uma que vai conectar seu neto a você, que vá fortalecer os laços e produzir memórias afetivas, de um tempo que está sendo complicado para todos, independente da idade.
Vale história inventada, vale colocar açúcar e confeitar a memória. O importante é encontrar e dar sentido para este tempo, é partilhar algum tempo, é dar valor para o que, de fato, é importante. Se faltar ideia ou repertório, eu vou dar uma mãozinha e contar como surgiram alguns dos símbolos mais decorativos e lúdicos da Páscoa.  
Alguma vez você já olhou para a lua cheia e viu nela a forma de um coelho?! Quando eu era criança eu enxergava um coelho gordinho empurrando um carrinho de mão cheinho de ovos de Páscoa. É bem verdade que o coelho é um mamífero e não coloca ovos. De onde saiu essa ideia de que o coelho traz ovos?! E qual a relação do coelho com a lua cheia?!
Embora hoje em dia a Páscoa seja celebrada como uma festa cristã, sua origem antecede o nascimento de Cristo e muitos de seus símbolos têm origem em festejos pagãos.  Para entender alguns destes símbolos, entre eles os ovos de chocolate, é preciso voltar um pouco mais no tempo.
Na Idade Média, os povos pagãos europeus celebravam a entrada da primavera homenageando Ostera, a deusa da primavera, considerada também deusa da fertilidade, na mitologia anglo-saxã, nórdica e germânica. Ostera é frequentemente representada como uma bela mulher colorindo ovos, enquanto lebres pulam alegremente sobre seus pés. Vem daí a origem dos ovos pintados, atualmente substituídos pelos ovos de chocolate. A figura a lebre também foi substituída mais tarde pelo coelho.  Diz-se que a lebre de Ostera pode ser vista na face da lua cheia, que, assim como as lebres, é também um símbolo de fertilidade.
Agora, que você já tem um monte de ideias para puxar um dedo de prosa, vamos deixar a tristeza de lado e viver a Páscoa de 2020 de outras formas. Se não dá para enlaçar com os braços quem você ama, enlace com histórias e memórias e faça florescer uma boa Páscoa.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

A MINHA, A SUA, A NOSSA DISTOPIA



Como é bom ficar em casa, olhar um filminho, comer uma pipoca, dormir até mais tarde, tirar um cochilo depois do almoço. Como seria bom se tivéssemos mais tempo para brincar com os filhos, para ler um livro, arrumar o guarda roupas. Num mundo onde a utopia é possível, todos esses são desejos legítimos. No mundo em que a distopia é real, tudo isso é um caos.
Há quem diga que um vírus invisível chegou e colocou tudo no lugar, que as pessoas passaram a ter tempo, tanto tempo que nem sabem o que fazer com ele, que os pais estão com os filhos, o trabalho deixou de ser prioridade, as viagens e o lazer também. Mas, será mesmo esta a realidade para quem está em quarentena?
Na realidade distópica onde vivo, a vida segue assim: muitas pessoas ainda não entenderam que estamos numa quarentena e seguem suas rotinas como se ainda estivessem em férias. Há profissionais que seguem trabalhando a partir de suas casas, precisando aprender a organizar fazeres profissionais, domésticos e cuidados parentais, num mesmo espaço e tempo. E há os profissionais que precisam sair de suas casas para trabalhar (mesmo se expondo e expondo suas famílias a um possível contágio), para que o mundo siga girando, ainda que um pouco mais lento.
Nessa distopia onde vivo, há quem diga que o Brasil não pode parar por conta de algumas milhares de mortes, porque as pessoas continuarão morrendo com ou sem corona vírus, a economia é que não pode adoecer. Mas, que economia haverá e para quem haverá economia, quando não estivermos mais aqui? Não é verdade que estamos todos no mesmo barco. Alguns estão num transatlântico e outros, numa canoa furada.
Enquanto alguns românticos dizem que estamos aprendendo a ser mais empáticos por causa de um vírus, vejo muita gente provando em palavras e ações, quanto o ser humano não tem ideia do que significa empatia. Ameaçar as pessoas, plantar o medo, divulgar mentiras, criar teorias conspiratórias, colocar o dinheiro na frente da vida, desqualificar a ciência, colocar-se acima do bem, do mau e do vírus, não é ser empático.
Empatia é estender a mão, ainda que virtualmente. É claro que nesse mundinho distópico aqui, não há apenas zumbis e dementadores. Nele também mora muita gente bacana, como os cientistas, que mesmo pouco valorizados e reconhecidos, buscam modos de minimizar os estragos desse bichinho e salvar vidas. Moram também os profissionais da saúde e do cuidado, que estão na linha de frente, zelando pela vida e cuidando das pessoas. Nobres vizinhos são os profissionais da alimentação e da limpeza, que trabalham para que a vida seja menos caótica pra todo mundo.
Moram aqui também os educadores, que mesmo longe de seus alunos, tentam aquietar os corações e orientar pais e estudantes, na medida do possível, através de suas redes. Os artistas que vivem aqui, nunca trabalharam tanto (e sem nenhum cachê), fazendo vídeos e lives diárias para trazer leveza à vida cotidiana. E há também alguns empresários que, cientes de seu papel social, ao invés de ameaçar e plantar o medo, estendem a mão para ajudar a minimizar os estragos desse tempo que não sabemos quanto tempo tem. Quando esse tempo aquietar, alguns terão aprendido a ser mais empáticos, outros saberão que nem todos aprenderam.

quinta-feira, 26 de março de 2020

SE PUDER, FICA EM CASA!!

Sabemos que os mais jovens podem portar o vírus e não apresentar sintomas. Mas, por serem portadores, podem levar o vírus para suas casas e transmitir para os mais velhos. Por isso, é preciso pensar que, neste contexto, ter empatia não significa cuidar-se para não pegar o vírus, mas ter cuidado para não transmiti-lo a outras pessoas. A economia precisa girar, mas a vida humana também. Sem vida humana, nenhuma economia se sustenta. Neste momento, se você pode, fica em casa!! 
Ser ou não ser, eis a questão!!, escreveu William Shakespeare, em Hamlet. Escrever ou não escrever uma crônica datada, foi o meu dilema, antes iniciar a escrita dessa conversa. Como escritora, procuro evitar textos datados. Mas, creio que nas próximas semanas, será inevitável.
Precisamos falar sobre o Coronavírus, precisamos aprender a viver e conviver com ele e apesar dele. Se por um lado, meus textos ficarão datados, por outro serão memória de um tempo que a gente precisou aprender a viver de um modo diferente a se comportar, se relacionar, se organizar, trabalhar, se amar, de novos jeitos.
Muitas pessoas não conseguem ter uma opinião clara sobre como se comportar nessa situação. E é compreensível, pois este é um momento novo, uma experiência nova, é tudo novo. A gente fica perplexo, sem entender direito. Mas calma, inspira, respira, não pira. Ouve a voz da experiência e da ciência.
Nossos ancestrais compreendiam a vida e enxergavam o mundo através das narrativas mitológicas que criavam para explicar o mundo e seus fenômenos. Isso foi antes do advento da ciência. Mas, este modo de pensar, justamente por ser simples e de fácil compreensão é, muitas vezes, mais bem acolhido do que os fatos científicos. Para quem acredita em teorias conspiratórias o fato científico é sempre insuficiente.
Mas, acredite você ou não, o Coronavírus está aí e a gente precisa aprender a conviver pacificamente com essa realidade. É preciso desacelerar, acalmar, aquietar o corpo, a mente e o espírito. Ficar em casa não é covardia, é prudência e respeito. Respeito consigo, com sua família, com seus amigos, com as pessoas, sobretudo com aquelas que não tem escolha, que precisam trabalhar. Por respeito a essas pessoas é que precisamos ficar recolhidos, para minimizar a circulação e o contágio.
Há quem pense e fale, que não tem problema se, num país do tamanho do Brasil, morrerem umas quinze mil pessoas, o que não pode é a economia parar. Mas, pense comigo e responda à pergunta: Quem da sua família você abria mão, pra ver não parar a economia? Quem dos seus familiares você escolhe perder, para continuar levando a vida sem mudar sua rotina?
Dizem também que se você tiver boa saúde e uma boa condição física, nada vai te acontecer. Será mesmo?! Então, porque razão sete atletas de alto rendimento do basquete norte americano já foram infectados pelo coronavírus? São jovens, saudáveis e atletas, mas não estavam imunes. Por prudência, as Olimpíadas e Paralimpíadas de Tóquio foram adiadas, a NBA suspendeu a temporada; a Eurocopa, a Copa América, assim como o Torneio de Roland Garros, também foram adiados.
Sabemos que os mais jovens podem portar o vírus e não apresentar sintomas. Mas, por serem portadores, podem levar o vírus para suas casas e transmitir para os mais velhos. Por isso, é preciso pensar que, neste contexto, ter empatia não significa cuidar-se para não pegar o vírus, mas ter cuidado para não transmiti-lo a outras pessoas. A economia precisa girar, mas a vida humana também. Sem vida humana, nenhuma economia se sustenta. Neste momento, se você pode, fica em casa!!