quinta-feira, 11 de abril de 2019

LER NOS TORNA MAIS HUMANOS (CRÔNICA DA SEMANA)

“O hábito de ler é o que nos torna mais humanos”, anuncia o texto que começo a ler durante a madrugada fria de outono. Antes mesmo de iniciar a leitura, penso no fato de que somos a única espécie viva deste planeta que possui a capacidade de ler e narrar-se.
Ao deitar meus olhos sobre a tela do computador descubro que um estudo publicado na revista Science, em 2013, apontava que pessoas que tem o hábito de ler obras de ficção, ou seja, histórias inventadas, como no caso de  romances, tendem a compreender melhor as diferenças entre os seres humanos.
Pouco tempo depois, outra pesquisa verificou como é poderosa a relação entre leitura ficcional e a empatia. Neste segundo estudo, alguns participantes foram convidados a ler um conto da autora paquistanesa Shaila Abdullah, intitulado Saffron Dreams, enquanto outros foram apenas informados sobre como a história se desenrolava. Em seguida, foram apresentadas aos participantes dos dois grupos, fotografias de olhares de pessoas diferentes - e os participantes foram estimulados a deduzir o que cada um dos fotografados estava pensando e sentindo.
Observou-se então, ao comparar as respostas dos dois grupos, que os participantes que leram o conto viam com empatia semelhante os rostos de pessoas árabes e de pessoas brancas. O que nos faz pensar que ler narrativas ficcionais favorece o aprendizado da alteridade, do respeito às diferenças, características tão fundamentais para vivermos em sociedade.
Abril é um mês repleto de datas que lembram a importância do hábito de ler e celebram a vida humana. Se é verdade que o hábito da leitura literária nos torna mais humanos, faz sentido pensar que o afastamento do texto literário, do jogo lúdico de palavras, do imaginário, nos desumaniza e embrutece.
Somos seres narrativos. Somos as narrativas que nos constituem, aquelas que fizeram parte do nosso imaginário desde a infância, as que ouvimos outras pessoas falar a nosso respeito, as que criamos de nós mesmos a partir de tudo isso. Somos nossa própria ficção. A minha realidade, a sua realidade, é aquela narrativa que tornou-se mais potente, que fez mais sentido e que deu mais sentido à vida de cada um. O hábito de ler enriquece nossa própria narrativa e qualifica o humano em nós. Sendo assim, é bastante razoável dizer que o hábito de ler nos torna mais humanos.
 

sexta-feira, 5 de abril de 2019

NÃO VAI FICAR PRA SEMENTE E QUEM NASCEU PRA VENTANIA (CRÔNICA DA SEMANA)


Eu tinha apenas um ano de idade quando Gaudêncio Sete Luas, majestosa narrativa de Luiz Coronel e melodia de Marco Aurélio Vasconcelos, foi apresentada na 2ª Califórnia da Canção Nativa (Uruguaiana, RS), lindamente interpretada pelas vozes de Leopoldo Rassier e Lucia Helena. Em 1972, pensar que teríamos um computador portátil nas mãos, que nos conectasse com pessoas do mundo todo em tempo real, era possível apenas na ficção científica. Menos de 50 anos depois, podemos nos conectar com gente do mundo inteiro desde nossas casas, da escola, do trabalho, do supermercado e até de um banco de praça.
Hoje podemos nos comunicar com muito mais facilidade e, ao que parece, nos comunicamos muito pior. Porque não é o acesso a uma ampla rede de comunicação que viabiliza o diálogo, mas sim o desejo de dialogar, de ouvir e também de ser ouvido, de ser respeitado, e também de respeitar. Quando acesso as redes sociais, parece que entro num espaço onde a grande maioria das pessoas está a gritar e não a dialogar. Há mais combate do que diálogo, um desejo manifesto de aniquilação e não de religação. No entanto, uma ou outra notícia boa pipoca aqui e ali, notícia de gente que faz a diferença sem gritar, que planta sementinhas de esperança, de bem querer, de alteridade, de cuidado. Gente que não faz barulho, que não planta ventania, nem provoca tsunamis, mas que faz a revolução a partir de ações que unem, que acolhem, que deixam cair na terra novas sementes para fazer florescer algo bom nesse mundo tão doente. Nos dias de hoje ou você é semente ou é ventania, porque como escreveu Luiz Coronel (ainda que em outro contexto) em sua Gaudêncio Sete Luas, “não vai ficar pra semente quem nasceu pra ventania”.