quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

FORA DA REALIDADE



Na vida adulta, para grande parte das pessoas, o objetivo principal do viver é trabalhar para amparar a família ou se sustentar, ao menos nas nossas necessidades básicas de alimentação, vestimenta e moradia, necessidades estas que precisam estar atendidas para que possamos almejar saúde e educação.
Fomos e ainda somos educados para crescer, trabalhar, comprar e viver comprando. Somos educados mais para ter do que para ser. Talvez, por esta razão, quando observamos pessoas que escolheram viver em comunidades, rapidamente vem o pensamento: - Ah, mas eles vivem fora da realidade!!  Mas, o que é a realidade? Será mesmo que a realidade é uma só para todos nós? Será que a realidade do agricultor é a mesma do homem da cidade, que trabalha engravatado num escritório? Será que a realidade da professora é a mesma de uma estilista de moda? Você acredita que a sua realidade é a mesma que a minha?
Podemos ver o mesmo telejornal, assistir ao mesmo filme, ler o mesmo livro, comer a mesma comida. Mas, por mais reais que todas essas situações sejam, viveremos experiências diferentes, porque nosso modo de ser e estar no mundo, é percebido de modos diferentes, a partir das nossas experiências prévias, das que nos foram impostas e daquelas que escolhemos fazer. E isso é o suficiente para que vivamos realidades distintas.
Quando visito uma ecovila, uma comunidade, um coletivo de pessoas que escolheu viver diferente de mim, sei que a realidade deles é outra. Nesses momentos, meu sentimento é quase sempre o de que (puxa!!!) dá pra gente fazer diferente. Ao menos, quando temos aqueles três elementos fundamentais do viver garantidos, é possível fazer escolhas. Seria tão bom se, em vez de julgar quem vive diferente de nós, pudéssemos aprender juntos. Penso que seria lindo se a experiência do outro pudesse ampliar nosso modo de viver.
Há poucos dias participei de uma imersão, com um grupo incrível de pessoas. A maior parte das pessoas jamais havia se encontrado. Mas, tínhamos um desejo em comum, aprender juntos sobre o narrar e o silenciar. Como tínhamos um objetivo que era de todos, nos momentos de preparar o alimento, que era tarefa coletiva, ninguém precisou dizer o que o outro tinha que fazer, organicamente os fazeres foram acontecendo e assim, todos nos alimentamos, depois organizamos os espaços, preparamos o café e voltamos ao círculo de estudos, sem que isso fosse um grande esforço para um ou para outro.
Não seria lindo se os viveres pudessem ser assim na escola, no trabalho, na casa? Não seria maravilhoso se nossa vida fosse uma grande imersão no viver coletivo? Sim, isso é utopia. Mas não é ela, a utopia, que nos faz andar em frente? Assim como um mergulho revigora o corpo, imersões em realidades diferentes das nossas revigoram o desejo de viver. Que o espirito de coletividade, que nos fez humanos um dia, resgate nosso desejo de humanidade.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

SOBRE O ATO DE RECLAMAR (POESIA)

Reclamo do sol forte, mas não me encorajo a plantar uma árvore.
Reclamo das guerras, mas brigo com a vizinha.
Reclamo do som alto, mas não paro para admirar o som da natureza.
Reclamo dos dias que não passam, mas esqueço do doente que está em uma cama hospitalizado e sem dia para voltar pra casa. 
Reclamo da comida salgada, mas esqueço que alguém passa fome em algum lugar. 
Reclamo do trânsito intenso, quando poderia sair a pé ou ir de bicicleta.
Reclamo e reclamo de cada momento. Mas o que faço pra mudar?
Reclamar faz parte do ser humano. Eu admiro quem não reclama.
(Jefferson Machado) 

A cerca de dez dias eu escrevi sobre a humana mania de reclamar de tudo (ver a postagem do dia 16 de janeiro/ Pare de reclamar do tempo). Hoje sou surpreendida por este poema do meu querido amigo Jefferson Machado (é ele ali na foto), que ecoa com o meu sentimento. Escrevemos nós, eu em prosa, ele em verso, que é pra ver se a gente se escuta e reclama menos, pois afinal, somos humanos. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

EM BOA COMPANHIA



Certa vez uma aluna, na época com uns vinte e poucos anos de idade, me disse que nunca havia sentado sozinha numa cafeteria ou num restaurante. Durante a conversa ela contou que aquelas eram experiências que ela adoraria viver, mas que não tinha coragem. Não era uma menina tímida ou que mostrasse dificuldade para estabelecer uma boa conversa. Para ela, no entanto, era necessário coragem para desfrutar da própria companhia em um lugar público.
Eu amo sentar na companhia de um bom livro e uma xícara de café, numa cafeteria acolhedora. Também adoro visitar novos lugares na minha própria companhia. Não gosto de excursões, situações em que um monte de gente invade um espaço com hora marcada para entrar e sair. Quando visito uma exposição, um museu, uma feira, gosto de tempo, do meu tempo de observar, de cruzar olhares, de encontrar pessoas, de conversar com estranhos. Há quem diga que é culpa do centauro que habita em mim, por causa do meu signo. Se é por conta da constelação de sagitário ou da criação terrena eu não sei. O que sei é que adoro sair e me levar para passear.  Vez ou outra também gosto de ficar sozinha, quietinha no meu canto.
Desfrutar da quietude da própria companhia é, por distintas razões, algo difícil para muitas pessoas. Há quem não tolere o silêncio. Muita gente entra num elevador ou senta no banco do ônibus e precisa logo puxar um assunto, não suporta o silêncio. Parece que precisa dizer ao outro: - olha, eu estou aqui viu?!!
Você já experimentou sentar no banco de uma praça para ler um livro ou uma revista? Quem sabe ouvir uma canção em seus fones de ouvido? Ficar conectado em rede social não vale, ali estamos em companhia de outras pessoas. Falo da experiência de estar consigo, talvez na companhia dos personagens de um livro, ou apenas admirando as flores, os pássaros, ou as árvores da rua.
Essa experiência de estar bem na própria companhia, de desejar, por vezes, isolar-se propositalmente, sem abrir mão de estar com outros quando assim desejar, chama-se solitude. A solitude é uma experiência bastante diferente da solidão.
Como diz a música do Alceu Valença, “A solidão é fera a solidão devora/ É amiga das horas prima irmã do tempo/ E faz nossos relógios caminharem lentos/ Causando um descompasso no meu coração”. A solitude, por sua vez, é a capacidade de estar feliz na própria companhia. A solitude não nos devora, não desacelera o ritmo das horas marcadas pelo relógio, também não faz descompassar o coração. A solitude nos conecta, em maior ou menor medida, a nós mesmos.
A solidão é imposta, a solitude é escolha. A solidão submete, a solitude ensina. Na solidão as horas parecem não passar, na solitude podemos desacelerar, mas esta é uma escolha pessoal. O poeta João Doederlein diz que solitude é “aquele momento do banho no qual você bate um papo com si mesmo e chega a conclusões que nunca seriam alcançadas numa mesa de bar”. Que tal aproveitar o final de semana para partilhar alguns minutinhos com si mesmo?!!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

PARE DE RECLAMAR DO TEMPO (CRÔNICA)



Cada pessoa organiza seu ano a partir de fenômenos que lhe façam sentido ou favoreçam sua organização interna. Há eventos, no entanto, que são cíclicos e se repetirão todos os anos, até o fim da nossa vida. O ano calendário possui, invariavelmente, 12 meses. Um ano dura 52 semanas e tem 365 dias, ou 366, em caso de ano bissexto. Num ano vivemos cerca de 12 ciclos lunares completos. Todos os anos passamos pelas alterações climáticas comuns a cada uma das 4 estações.
É esperado, ao longo de um ano climaticamente razoável, que entremos janeiro afetados pelo calor escaldante, afinal, é verão. No finalzinho de março o calor vai se despedindo e dando lugar a uma variação diária de temperatura. Junho chega no sul do Brasil trazendo frio, chuva e vento gelado. No inverno as folhas das árvores caem e a natureza se encolhe, para em setembro florescer em cores e perfumes. Melhor aproveitar logo o calorzinho que vai levando o frio embora, porque logo o calorzinho vira calorão, com a chegada do verão.
Todo ano é assim por aqui. Que bom que ainda temos um clima razoavelmente definido, ainda que bem mais intenso do que décadas atrás. Independente de gostarmos mais de uma ou de outra estação, no decorrer de um ano transitaremos pelas quatro. Há quem só passe por elas, há quem às viva. A falta de assunto para a conversa, no entanto, faz com que boa parte dos seres humanos passe o ano reclamando da estação vigente.
Nos elevadores, filas e salas de espera o assunto varia de acordo com a estação do ano, no verão é sobre o calor insuportável, ainda que haja uma brisa fresca ou que à tardinha o calor amenize, a queixa precisa ser feita. O problema do outono é que a gente tem que sair de casa com um agasalho e depois carregá-lo o resto do dia no braço, já que pela manhã faz frio e depois vem o calor. No inverno as folhas sujam os pátios e calçadas, o frio e a chuva incomodam. Na primavera é o pólen que atrapalha a vida, desencadeando ou agravando todo tipo de alergia.
Grande parte dos seres humanos são insatisfeitos por natureza, parece que a necessidade da queixa está gravada no DNA. Acontece que com ou sem a nossa queixa, o ano continuará tendo 12 meses, 52 semanas e quatro estações. Reclamar só faz a vida ser mais arrastada e chata.
Mas a gente pode, com um mínimo de boa vontade, se alegrar com o verão que faz florescer os flamboyants, as três-marias e os jasmins estrelados, com a beleza dos plátanos dourados no outono, com o frio do inverno, que nos convida ao recolhimento e às bebidas quentinhas e também, com todos os perfumes da primavera. Se você tem casa quentinha no inverno, um ventilador para o verão e alimento na mesa em todas as estações, pare de reclamar do tempo e passe a viver melhor o seu tempo.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

NÃO CUSTA NADA (CRÔNICA)


Barulho de vidro quebrando nos coloca em estado de alerta, pois geralmente indica algum acidente próximo. Se o imprevisto foi dentro de casa, é preciso cuidado, especialmente com crianças e animais, pois podem facilmente se ferir com os caquinhos. Quando vindo da rua esse som nos faz pensar rapidamente em um acidente de trânsito. É fato que acidentes com vidro comumente deixam feridos.
Mas há uma outra situação em que o barulho de vidro quebrando me inquieta e acende uma luzinha interna de alerta.  Isso acontece quase todas as vezes que o caminhão do lixo passa fazendo coleta em frente à minha casa. E acredite, o som do vidro quebrando nesse momento me dá uma aflição danada.
Na cidade onde moro há uma cooperativa de catadores que faz um trabalho incrível, a COOMCAT. Além do trabalho de coleta seletiva e reciclagem, fazem também um trabalho árduo e lindo de conscientização. No início do ano não havia coleta seletiva no bairro onde moro. Por isso, minha família pactuou separar todo o lixo reciclável e uma vez por semana um de nós o levaria até um posto de coleta da Cooperativa. Hoje já tem coleta no bairro e ficou ainda mais fácil reciclar. Então, é só querer. Porque razão as pessoas não podem guardar por uns dias uma garrafa vazia, um saco plástico, uma caixinha de leite, um recipiente, para colocar no lixo reciclável?
É bem verdade que, infelizmente, não há um serviço de coleta seletiva em todas as cidades, mas há muitas maneiras de cada um de nós contribuir para que o nosso planeta azul e redondinho possa sobreviver um pouquinho melhor.
Quando começamos a separar nosso lixo vamos percebendo quanto lixo a gente produz sem precisar. E quando tomamos consciência, passamos a adotar pequenas atitudes para diminuí-lo, como não embalar todas frutas e legumes que compramos no mercado em saquinhos plásticos, levar sacola reutilizável quando vamos à feira ou ao mercado, deixar de colocar uma caixinha de medicamento em uma sacolinha plástica quando vamos à farmácia.
A gente, às vezes, pensa que só isso não vai mudar o mundo, mas se todas as pessoas fizessem “só” isso, o impacto sobre o meio ambiente, tão maltratado, seria muito menor. É verdade que precisamos de políticas públicas e de ações governamentais que se ocupem do meio ambiente e sua preservação, mas nem por isso precisamos lavar as mãos, como se nós não tivéssemos nada a ver com isso, como se não fôssemos nós também natureza.
Não custa nada substituir o copinho descartável por uma caneca ou copo reutilizável no dia a dia. Não custa nada juntar tampinhas de plástico, lacres de alumínio e cápsulas de café para programas de reciclagem. Não custa nada deixar o papelzinho de bala ou de chocolate na bolsa até visualizar uma lixeira. Não custa nada carregar uma sacola retornável para as compras no mercado ou na feira. Não custa nada separar o lixo reciclável e dar o destino correto.  Não custa nada descartar corretamente medicamentos vencidos, pilhas e baterias. Não custa nada ser gentil. Não custa nada dar bom dia e sorrir. Não custa nada contribuir para que o mundo seja um pouquinho melhor. A gente contribui com atitudes melhores e recebe um mundo mais habitável e melhor para viver. E isso não custa nada!!

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

UM DIA A MAIS

Na primeira mensagem de final de ano que enviei por WhatsApp, desejando 365 dias de tudo aquilo que a gente deseja aos amigos, um amigo logo me corrigiu: 366. Dois mil e vinte terá 366 dias.
Em dois mil e vinte teremos 24 horas a mais para viver o ano. E é bom começar a pensar se vamos passar esse dia entre queixas e lamentações, ou partilhando o tempo vivido com um pouco mais leveza. Essa escolha é só nossa. Como dizem os budistas “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”.
Quanto a mim, não quero esperar pelo dia 29 de fevereiro. Quero partilhar o tempo vivido agora. Vou me esforçar desde já para viver mais e melhor, partilhando com menos pressa e maior frequência o tempo. E já que a vida é repleta de circularidade, quero investir mais tempo em rodas. Quero rodas de conversa, rodas de chimarrão, rodas de dança, círculos de estudos, rodas de poesia, rodas de samba, rodas pra fazer a vida girar.
Quero também o direito de exercer minhas escolhas, de poder escolher viver e lutar por um mundo menos verborrágico e mais poético, menos egoísta e mais fraterno, menos alienado e mais consciente, menos fake e mais real.
A novelista inglesa Mary Cholmondeley escreveu: "A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-se do sofrimento, também perde a felicidade".
Que em dois mil e vinte a gente não desperdice a vida, que possamos dar mais amor, usar nossa força a favor de quem dela precisa. Que possamos ser um pouquinho menos prudentes e arriscar mais (um banho de chuva ao menos). Que possamos nos permitir sofrer quando o sofrimento for uma experiência interessante para nosso aprendizado, mas que tenhamos sabedoria para nos despedir do sofrimento com a gratidão de quem com ele aprendeu, para vivermos dias mais felizes.
Dois mil e vinte chega nos prometendo um dia a mais para ser vivido, cada um de nós deverá escolher o modo com que irá desfrutar esse dia. Eu escolho desde já tentar fazer de cada dia um bom dia para ser vivido. Um dia a mais não precisa se tornar o único dia a ser aproveitado. Um dia a mais é apenas um bônus. Penso que a gente está nessa vida pra viver e aprender, todos os dias!!