Reportagem primorosa e amorosa do Jornal Gazeta do Sul sobre minha trajetória literária. Registro lindo demais dos queridos Romar Beling e Lula Helfer.
sábado, 25 de maio de 2019
quinta-feira, 9 de maio de 2019
GENTE GRANDE QUE NÃO CRESCEU (CRÔNICA DA SEMANA)
Quando uma criança
pequena leva uma mordida de outra criança é possível que esta responda com
outra mordida. Quando deseja um brinquedo que está com outra criança, é
provável que ela vá lá e tome o brinquedo, que as duas briguem pelo objeto e
aquela que perder deverá chorar muito alto ou bater na que ficou com o
brinquedo. Isso dura o tempo da briga, logo depois elas já se juntam novamente
para uma nova brincadeira que interesse a ambas, até que nova desavença ocorra.
Crianças são seres
predominantemente emocionais. As áreas do cérebro que fazem acontecer o
pensamento racional estão lá, mas ainda tem poucas informações e não
estabeleceram as redes de conexão que irão fazer acontecer o pensamento
racional, analítico e linguístico. Os primeiros dois anos de vida da criança é
denominado por Jean Piaget como estágio sensoriomotor, uma vez que a criança
aprende nesse período, especialmente através de seus movimentos e dos sentidos,
dos cheiros, cores, toques, gostos e sons.
Acontece que o sistema
nervoso precisa “amadurecer” e não adianta querer forçar essa maturação, o ser
humano, assim como todos os seres vivos tem um ciclo de vida. Também somos sementes
que precisam germinar, crescer, florescer, frutificar. E até mesmo as frutas
levam um bom tempo para maturar e ficar no ponto de serem colhidas. E se a
fruta for boa, sua semente recomeçará todo o processo.
Na medida em que a
criança cresce e o cérebro vai “maturando”, espera-se que suas respostas sejam
progressivamente menos emocionais e instintivas, para se tornarem mais
racionais e ponderadas. Esperamos que as mordidas sejam substituídas por
argumentos e que os argumentos sejam cada vez melhor, conforme a criança vai
aprendendo com a vida, com os livros, com os outros humanos, em casa, na
escola, nos grupos de convivência.
Você tem observado
como são os argumentos dos adultos nesses tempos estranhos, especialmente nas
redes sociais, onde podem falar o que bem entendem sem medo de levar um soco? É
um festival de palavrões, xingamentos, ameaças, agressões verbais, até mesmo
por parte daqueles que se consideram grandes intelectuais.
Toda vez que vejo
uma resposta sem argumentação, feita apenas com gritos e palavras grosseiras,
penso que a pessoa está utilizando as mesmas estratégias das crianças pequenas,
que gritam e mordem quando não sabem como se defender. Mas a criança pequena
ainda tem muito que aprender, o adulto já deveria ter aprendido a viver em
sociedade, já deveria ter se tornado um ser racional.
Estes tempos
estranhos, defendido por gentes estranhas, que tentam desmantelar a educação,
desqualificar os professores, culpar as universidades por tudo que não
conseguem compreender, boicotar a cultura, tirar de nós tudo aquilo que nos
qualifica como humanos, se seguir pelo caminho do retrocesso, nos levará rapidinho
à Idade Média, em pouco tempo teremos uma sociedade de bárbaros cada vez mais
violentos e menos racionais, uma sociedade de valentões com cérebros de bebês.
sexta-feira, 3 de maio de 2019
ENTRE A CIÊNCIA E A TRUCULÊNCIA (CRÔNICA DA SEMANA)
O Brasil vai
sendo, pouco a pouco, novamente tomado pelo medo, por muitos medos plantados
intencionalmente por teorias conspiratórias, que chegam tão seguras de si aos
ouvidos, que nem são questionadas. É impossível refutar uma teoria
conspiratória, diz Henry Bugalho, pois toda vez que argumentações, fatos e
dados contrários à tese conspiratória são apresentados, eles passam a fazer
parte da própria conspiração.
E assim caminha a
humanidade, entre teses conspiratórias lelés e pessoas com uma habilidade
leitora precária, que não lhes permite compreender que todo texto tem um
contexto, que a verdade não é tudo aquilo que se lê ou se ouve nas mídias e
redes sociais, ainda que por pessoas diplomadas e elegantes, mas sem ética e senso
crítico.
Que a educação
brasileira enfrenta problemas não é novidade, mas vínhamos numa caminhada de
autonomia do pensar, que aos poucos qualificava o fazer pedagógico e os
processos de ensinar e aprender. Os principais problemas da educação no Brasil
eram (e são) a qualificação e formação profissional, a má remuneração dos
professores e a precarização do espaço físico das escolas. E quando falo de
nossas escolas, falo de todas, da Educação Infantil à Universidade.
Como qualificar
melhor professores sem uma remuneração razoável que lhes dê acesso a bons
livros e revistas, sem boas Universidades, sem equidade de condições de acesso
à Universidade? Como qualificar bem os professores, assim como médicos,
engenheiros, veterinários, entre outros profissionais, sem uma educação que
lhes ensine a pensar, a ser curiosos, questionadores, pesquisadores?
Uma educação de
qualidade se faz com um projeto de nação e não sem, nem ao menos, um projeto de governo. Uma
educação de qualidade se faz olhando para o futuro e não para o próprio umbigo.
Uma educação de qualidade se faz ampliando o olhar e não colocando antolhos.
Uma educação de qualidade é plural, questionadora, desacomoda. Uma educação de
qualidade não coloca medo, não cala, nem reprime.
Precisamos de uma
educação que vá muito além do ensinar a ler, escrever e fazer contas, que nos
ensine mais do que apertar parafusos e bater martelos, que nos torne algo mais
do que “pessoas capazes de fazer e incapazes de pensar sobre aquilo que fazem”,
como escreveu Jane Tutikian, Vice-Reitora da UFRGS.
É surreal que
estejamos vivendo tempos de tamanho desdém pela educação e pela cultura e de
desrespeito por seus profissionais. Esse ataque às ciências humanas, aquelas
que nos ensinam a pensar e fazem de nós seres racionais e reflexivos, muito
mais do que fazedores de contas, é feito por pessoas que tem medo dos questionamentos,
gente que não têm argumentos razoáveis e que ao não encontrarem argumentos,
apelam para palavras chulas, xingamentos e truculência.
Não é preciso
coragem para rosnar, nem grande quantidade massa encefálica. Mas há que se ter
muita coragem para ler e saber o que leu, para questionar, para argumentar,
ponderar, conviver em sociedade. Essa coragem não é aprendida com armas e
imposições, mas com diálogo e pensamento crítico. As ciências, todas elas, mas
especialmente aquelas que nos fazem melhor compreender o humano em nós, são
ferramentas poderosas, por isso causam tanto medo. Mas há quem escolha seguir a
vida a pensar, corajosamente. Com essa coragem que, como diz Mario Sergio
Cortella, não é feita de ausência de medo, mas da capacidade de enfrentar o
medo que anda a nos ameaçar.
Assinar:
Postagens (Atom)