quinta-feira, 11 de março de 2021

FEITIÇO DO TEMPO

 

“Feitiço do tempo” é um daqueles clássicos filmes da sessão da tarde. A história se passa na cidade de Punxsutawney, na Pensilvânia, onde anualmente acontece a festa do Dia da Marmota. Na história, um presunçoso e arrogante meteorologista da TV é escalado para a cobertura da tradicional festa. Durante a cobertura do evento ele se vê preso em uma armadilha do tempo que o faz reviver o mesmo dia infinitas vezes. Acontece que apenas ele sabe que está preso num loop temporal, os demais personagens repetem os dias normalmente, sem memória do dia anterior. Embora no começo da história ele aproveite para agir de forma irresponsável, acaba ficando cansado em acordar todos os dias, na mesma hora, ao som da mesma canção e viver os mesmos acontecimentos. Preso a uma situação onde o fim é incerto e independe de sua vontade, o personagem decide aproveitar a oportunidade para melhorar enquanto pessoa.

Muitos dizem que 2020 foi um ano que não valeu ser contado e que 2021 é apenas a segunda parte de 2020. Há quem diga que em 2020, em decorrência da pandemia da COVID-19, ficamos presos, fomos amordaçados, os dias foram enfadonhos, as crianças não aprenderam nada, os jovens perderam sua juventude e os adultos foram aprisionados. E que, 2021 será ainda pior. Se, neste momento, situação está pior é porque não aprendemos a lição de 2020.

No ano que passou precisamos nos adequar a uma nova realidade. Poucos, porém, se lançaram pra valer nessa aventura. Muitos ficaram reclamando que precisavam usar máscara, outros muitos negaram-se (e ainda negam-se) a usá-la. Poucos abriram mão de viagens de férias e feriados, o resultado já era previsto e foi anunciado. Vivemos um caos sanitário, as reclamações continuam, assim como a falta de ações práticas, individuais e coletivas.

Vivemos há um ano, presos a um “feitiço do tempo” provocado por um bicho bem menos interessante que uma marmota. O coronavírus não anuncia o inverno prolongado, mas que o inferno pode ser aqui. Ouvimos autoridades pedindo para darmos a vida pelo bem da economia, para não usarmos máscara, não tomarmos a vacina, usarmos remédios ineficazes para esse vírus (até porque medicamento algum mata o vírus). Homens e mulheres, que se dizem de bem, espalham notícias falsas, promovem aglomerações, plantam e alimentam o caos.

Não é o vírus que vai nos ensinar algo, mas o desejo de aprender com isso tudo. No momento que escrevo este texto já foram mais de 270 mil mortes notificadas em território nacional, apenas em função do coronavírus. Com os hospitais lotados, pessoas acometidas por outras doenças graves poderão morrer por falta de assistência. E tem gente que ainda não acredita na gravidade da situação, que reclama por ter que usar máscara para cobrir o rosto e não poder ir ao mercado no domingo. Quando vamos aprender que a vida é nosso bem maior?!!

 

quinta-feira, 4 de março de 2021

METÁFORAS SOBRE UM NAUFRÁGIO

 

Somos todos náufragos. Faz um ano que o mundo vem naufragando num imenso oceano. Há quem diga que o vírus colocou o mundo inteiro num mesmo barco. Não é verdade, estamos naufragados num mesmo oceano, alguns em esplêndidos navios, outros em luxuosos iates, há quem esteja à deriva em uma pequena embarcação, se equilibrando sobre um bote, ou agarrado a um tronco de árvore. Duzentos e sessenta mil brasileiros, no entanto, já se afogaram nesse oceano.

Os que olham para a água desde seus majestosos navios e iates, parecem pouco se importar com os afogados, ou com os que tentam se salvar. É como se, para eles, a vida humana não tivesse muito valor. São alimentados pela ilusão de que o vírus respeitará suas imponentes embarcações. Esquecem que um vírus, assim como eles, não tem consciência.

Muitos dos sobreviventes nos barcos pequenos, acreditam nas mentiras contadas pelos habitantes das luxuosas embarcações, que gritam com seus megafones: “tirem essas máscaras, são elas que lhes sufocam!!”; “Estamos jogando medicamentos preventivos e feijões milagrosos ao mar para salvar vocês!!”; “Não acreditem na ciência, ela quer fazê-los prisioneiros!!”.

Muitos, dos ainda sobreviventes, agarram-se a qualquer esperança, ainda que mentirosa, de viver com a liberdade que nunca tiveram. Pensam que sobreviver não é viver. Que vida é festa, é junção, é bebedeira, música alta. Há quem grite que vida é ar entrando livremente pelos pulmões, é sangue circulando livremente por veias e artérias. Mas, seus gritos não ecoam.

Muitos dizem estar cansados de “apenas” sobreviver. Os que se abrigam nas soberbas embarcações gritam, pedindo liberdade. Os náufragos das jangadas, botes e barquinhos reclamam, pedindo liberdade. Os que estão agarrados aos troncos, tentam apenas respirar, rezando para não entrarem para a estatística dos afogados.

Assim, seguimos naufragados, sem sair do lugar, apenas com alguns se mantendo à deriva e outros afundados. Para sobreviver é imprescindível estarmos vivos. Quando estivermos em terra firme, poderemos celebrar a vida com alegria. Quanto mais vidas salvarmos, mais amigos teremos para essa celebração. Enquanto isso, é preciso não deixar que mais embarcações ou troncos de árvores afundem.