quinta-feira, 7 de maio de 2020

A FRUTA NÃO CAI LONGE DO PÉ


Minha mãe é daquele tipo de gente que não sabe viajar sem comprar presentinho pra todo mundo. Também adora fazer doces para agradar a família e os amigos. A ambrosia e a rapadurinha de leite dela, por sinal, são as melhores desse mundo todinho. Acho que herdei dela esse jeito de fazer carinho, através do alimento e das pequenezas cotidianas.
Meu pai, por sua vez, me ensinou a escutar música, a pesquisar na Enciclopédia Barsa (falo de um tempo onde não existia internet) e a dançar twist. Ele também tinha por hábito preparar ovo cozido com gema mole ou feijão com pão (adoro!) numa cumbuquinha. Ou seja, meu pai era - e ainda é - um pãi.
Essas memórias são da minha infância, embora minha mãe siga comprando presentinhos quando viaja e fazendo as melhores rapadurinhas de leite e ambrosia do mundo todinho. Acontece que, quando chega a adolescência, a gente precisa de espaço e autonomia para se autoafirmar enquanto sujeito. Daí começa a inventar modos de se mostrar diferente do pai e da mãe. Afinal, é preciso provar para o mundo que somos uma pessoa única, diferentona.  Essas experiências vividas e sentimentos sentidos da fase da adolescência, só iremos compreender em sua parcial totalidade, quando nos tornamos pais e mães de adolescentes.
A vida segue seu curso e quando nos tornamos adultos, especialmente depois que temos filhos, sobrinhos ou afilhados, fazemos uma espécie de seleção daquelas qualidades que nos agradavam em nossos pais e tentamos imitá-los. Algumas vezes acertamos, outras escorregamos. E haverão aquelas características que, mesmo a contragosto, a gente herda. Afinal, a fruta não cai longe do pé.
Trago essas memórias, porque neste momento tão frágil, de distanciamentos necessários, cuidados muitos, aprendizagens outras, precisamos aprender, entre tantas coisas, outros modos de (con)viver, de estar juntos, de celebrar a vida. Fico pensando no quão fundamental são as memórias afetivas para sustentar esse momento. Para assegurar os laços, para dar sentido a este tempo que parece sem sentido.
Neste Dia das Mães, não quero que meu filho saia de casa para comprar presentes. Também não abraçarei minha mãe enlaçando-a em meus braços. Neste dia das mães, quero que presença e memória façam-se abraço. Quero tempo para lembranças e para viver o presente em suas delicadezas cotidianas. Quero dar e receber carinho que se faz através do alimento, da música, do cuidado.
Que cada um possa encontrar um modo de viver o tempo presente, porque o futuro é incerto, como sempre foi. Sempre acreditamos que o horizonte estava lá e o que nos fazia caminhar era a utopia. Perdemos o horizonte, mas não podemos perder a utopia. Precisamos aprender a desenhar um outro horizonte, juntos. Mas para isso, precisamos estar aqui, vivos. Cuidem-se!! Que neste Dia das Mães, o cuidado seja o maior presente. 
* A foto é da minha amiga Ludmila Faria Mendes (obrigada pela partilha, Lud)

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