quinta-feira, 7 de março de 2019

É INÚTIL REVOLTAR-SE?


Quarenta anos atrás, em 1979, o filósofo Michel Foucault publicou no Jornal Le Monde, um artigo intitulado “É inútil revoltar-se?”. O título proposto por Foucault traz uma provocação que se renova de tempos em tempos. Com o advento das redes sociais e a avalanche de afirmações sem veracidade, lançadas assim, sem responsabilidade alguma, a provocação de Foucault renova-se não só dia a dia, mas a cada nova postagem. Creio que revoltar-se – não falo da revolta de adultos mimados, dos rebeldes sem causa, dos que vociferam em causa própria, dos que ainda não saíram do egocentrismo – é ter empatia.
Empatia não é colocar-se no lugar do outro, pois isso é impossível, cada experiência humana é única e intransferível. Empatia é uma disposição pessoal para compreender a situação experienciada por outra pessoa e sensibilizar-se com ela. Empatia é, a partir desta sensibilização, ser capaz de estender a mão, ao invés de minimizar ou ridicularizar seu sofrimento. Empatia não é sentir a dor do outro, mas tentar compreendê-la, e a partir dessa compreensão, buscar modos de minimizá-la.
É preciso ser sensível para ter empatia. Mas ser sensível em tempos opressores é um desafio e tanto. Ser sensível frente a tanta falta de empatia, frente à aniquilação do outro, frente às injustiças, à destruição do planeta, à má distribuição de renda, à falta de solidariedade, ao egocentrismo exagerado, exige um esforço imenso.
Quarenta anos atrás, quando Foucault escreveu seu artigo, todas estas questões já estavam postas, não são questões atuais. Nesses quarenta anos, no entanto, problemas que já eram graves tornaram-se ainda mais graves, não porque não tivéssemos condições de minimizá-los, mas porque estamos cada vez menos empáticos e mais ocupados com nossos próprios umbigos.
Nas redes sociais, onde cada pessoa habita um lugar relativamente seguro para dizer o que bem pensa, cada um defende seu ponto de vista como se defendesse a própria vida. E penso que estamos defender a própria vida mesmo. Afinal, a vida é feita de crenças, de valores e do modo como a vivemos. A questão é: porque o êxito do outro me incomoda e sua dor não me causa empatia?
É assustador olhar para o lado e descobrir que nosso familiar, nosso amigo, vizinho ou colega de trabalho pode ser essa pessoa. É ainda mais assustador olhar para dentro e descobrir que somos capazes de ser essa pessoa. Quando somos suficientemente sensíveis e capazes de analisar racionalmente este sentimento, nos revoltamos. E isso, penso, é bom.
Penso que revoltar-se contra a aniquilação do outro, contra todo tipo de preconceito, contra as injustiças sociais, contra a opressão, contra a violência de todos os tipos, contra a miséria (do corpo e da essência), não é inútil. Mas é preciso pensar sobre o que fazemos com essa revolta. Ficamos a destilar ódio ou criamos um espaço de reflexão e ação? Fazemos dela fonte de raiva ou criamos potência amorosa? Chamo mesquinhez quando fazemos dela fonte de ódio. Chamo de ativismo quando criamos potência a partir da desacomodação que produz o sentimento de revolta. Revoltar-se não é inútil, querido Foucault.

Nenhum comentário:

Postar um comentário