quinta-feira, 14 de março de 2019

TRAGÉDIA ANUNCIADA



Se é verdade que gentileza gera gentileza, é bem verdade que violência gera violência. E a emoção da raiva, do ódio, do medo, contagia muito mais rápido que a da bondade e da gentileza. Se você pensa que não, procure analisar quão rápido se disseminam nas redes sociais notícias bacanas, potentes, como uma experiência pedagógica de sucesso numa escola pública, por exemplo. Quantas reações, quantos comentários, quantos compartilhamentos? Vários!! Sim, vários. Mas muito menos do que recebem as notícias fake ou as medidas e colocações bárbaras (da barbárie como medida) produzidas diariamente pelos doutores da lei e do caos e seus idólatras.
É muito fácil deixar-se levar, deixar-se tomar por esses sentimentos primitivos, eles mobilizam muita energia dentro da gente e partimos imediatamente para a ação – reagimos através da palavra violenta, do soco na cara, do murro na mesa – e não da reflexão, do diálogo. Até porque, quem dissemina mentira e ódio não quer dialogar. E assim vamos, nos animalizando cada dia mais.
A tragédia ocorrida esta semana numa Escola Pública na Região Metropolitana de São Paulo, onde dois jovens invadiram a escola armados, deixando vários mortos e feridos, chocou muitos brasileiros. Penso que deveria ter chocado a todos, mas não, chocou apenas aos que ainda preservam algum senso de humanidade. Veja bem, logo em seguida, vimos senador dizendo que se os professores estivessem armados a tragédia teria sido menor. Houve também deputado dizendo que “armas não matam ninguém, quem mata são pessoas”. Preciso concordar, é verdade. Tão verdade quanto o fato de que, se aqueles meninos tivessem livros no lugar de armas, não teriam matado ninguém.
O que choca ainda mais é a tamanha irresponsabilidade frente à barbárie. O que entristece é que esse ódio é alimentado todos os dias por quem deveria combatê-lo. Para onde querem nos levar esses senhores da lei e do caos? Parece que violência nenhuma é suficiente para desarmar seus ódios e preconceitos. Brincam com vidas humanas, como se estivessem a jogar vídeo game.
Precisamos incentivar e promover uma cultura de paz, ao mesmo tempo que nos mantemos atentos e capazes de olhar para a cultura do ódio e da violência e buscar compreender suas causas, tecer as críticas, promover incansavelmente o diálogo a fim de que as pessoas tomem consciência de que a violência é produzida todos os dias, por nós mesmos, que atacamos verbalmente nas redes sociais, que perdemos a capacidade de dialogar, que buscamos impor nossas ideias sem promover a discussão. Nós,  que exaltamos ou fazemos eco (ainda que às avessas) aos senhores da lei e da (des)ordem, que enaltecem a cultura do ódio através de seus discursos violentos, que exaltam a tortura e os torturadores, que plantam mentiras todos os dias e as repetem infinitas vezes para que tornem-se verdade, que se vangloriam de suas poses de machos alfa, que se orgulham de ensinar crianças a fazer arminha com as mãos e dizer que tem que matar todo mundo que pense diferente de si. Não é possível se aproximar de uma cultura de paz se ignorarmos a violência, se fizermos de conta que ela não existe, se pactuarmos com ela. Não será enaltecendo os exemplos de violência, ódio e discriminação de outro país que alcançaremos uma cultura de paz em nosso país. As consequências serão as mesmas de lá, são tragédias anunciadas. Não podemos lavar as mãos e fazer de conta que não temos nenhuma responsabilidade sobre isso. Da urna às ações cotidianas, somos responsáveis.
Administrar um país deveria exigir responsabilidade, ética e empatia. Mas não. Estão lá por que vivermos numa democracia (ainda que torta), essa mesma que tentam colocar abaixo, dizendo que tem mesmo é que matar, tem mesmo é que torturar, tem mesmo é que reprimir, tem mesmo é que armar para deixar que se matem. É porque vivemos numa democracia, e num país onde o ódio e o preconceito sempre existiram – só estavam bem maquiados – é que estes senhores encontraram espaço para transbordar não apenas sua infantilidade, mas seus preconceitos, sua falta de empatia e senso crítico.  Parafraseando Lupicínio Rodrigues: Empatia foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora e é por isso que eu gosto da memória onde sei que a utopia ainda mora.
 

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