quinta-feira, 21 de março de 2019

CONTAR HISTÓRIAS EM TEMPO ESTRANHOS (CRÔNICA DA SEMANA)



Será que as crianças ainda querem ouvir histórias, estando cercadas por tanta tecnologia? Sim, as crianças querem ouvir histórias, as crianças querem jogar cartas, querem andar de bicicleta, fazer piqueniques e jogar bola. Mas as crianças não podem fazer tudo isso sozinhas, não podem fazê-lo sem um adulto que aponte caminhos, que construa pontes.
A pergunta que devemos fazer não é se as crianças ainda querem, mas se os adultos ainda são capazes de pausar seus afazeres profissionais ou domésticos, bem como distanciar-se da tecnologia à sua volta, para passar alguns instantes vivendo o momento presente com seus pequenos.
- Não posso perder tempo, dizem alguns. “Só perde tempo quem acha que não tem mais tempo a perder”, diz uma canção que gosto. Se estamos vivos, sempre há tempo. Não há tempo perdido, há tempo investido. Tempo partilhado é tempo vivido, é tempo de plantar semente em terra fértil. A infância é tempo de plantio e germinação. É verdade que quando as crianças crescem tudo pode acontecer, muitos são os fatores que contribuem para que escolham este ou aquele caminho, mas as sementes dos bons afetos, se plantadas com carinho, tem sempre potencial para germinar em algum momento futuro.
Contar histórias para uma criança é plantar sementes. “As histórias são bálsamos medicinais”, diz Clarissa Pinkola Estés. As histórias trazem em si códigos que podem nos orientar sobre as complexidades da vida. Em uma boa história contada, narrada pela boca de um familiar que pausa suas tarefas cotidianas para estar com sua criança, o pequeno encontra presença amorosa, que lhe convida a viver aventuras, a passar por lugares estranhos, experimentar o medo de modo seguro, ampliar a imaginação de modo criativo, demonstrar sentimentos ambíguos. Uma boa história partilhada com outra pessoa é ponto de encontro e de partida. A partir de uma narrativa, muitos assuntos poderão surgir e serão pretexto para mais tempo de conversa, para alinhavar próximos encontros.
Estamos entrando no outono aqui no hemisfério sul, período de recolhimento, de ficar mais tempo dentro de casa, de passarmos mais tempo dentro de um mesmo espaço. Mas partilhar o espaço não significa partilhar a presença. O espaço compartilhado não é suficiente para estar junto, é preciso intenção, desejo, tempo, pausa. Uma boa dica é procurar, sempre que possível, juntar-se à mesa para uma refeição, fazer o tema da escola junto com o filho, trocar 15 minutos de TV ou computador por um livro de histórias, fazer piquenique embaixo da mesa, jogar um jogo de tabuleiro ou de cartas. Se queremos que as crianças saiam da frente da TV, do computador ou do celular, é preciso que nós adultos também o façamos. É preciso estabelecer novas conexões, mais próximas, afetivas e reais. Se não o fizermos, não adianta reclamar que os filhos crescem muito rápido.

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