O Brasil ainda é
um país de poucos leitores. Muitas pessoas podem até pensar que isso é
irrelevante, perto de tantos problemas que temos nos campos da saúde, da
economia, da segurança, da educação. Mas isso não é verdade. A capacidade de
ler e interpretar um texto é a porta de entrada para ler e interpretar a vida,
o mundo, os acontecimentos que nos cercam.
Saber ler, ouvir e
interpretar um texto literário, desde criança, é fundamental para que, quando
maiores saibamos diferenciar o literário do literal, para que saibamos que todo
texto (escrito, falado, ilustrado) tem um contexto. A leitura compartilhada, a
conversa sobre o texto, a história, o poema, a canção, nos permite compreender que
cada leitura é sempre uma releitura. Que aquilo que está escrito, que foi dito,
desenhado, não faz o mesmo sentido para todos os leitores. Cada pessoa lê a
partir da sua trajetória, de seus princípios, de suas crenças, de sua
experiência leitora.
A leitura
literária abre as portas para múltiplas interpretações de universos
fantásticos, imaginários e inventados, mas também do mundo real. Quanto mais
lemos textos literários, quanto mais nos aproximamos deles, mais nos
qualificamos para compreender o mundo à nossa volta e mais facilmente saberemos
distinguir fantasia de realidade. Quanto mais lemos textos literários, menos
nos deixamos enganar ingenuamente por discursos fantasiosos tratados como
verdades.
Faz um bom tempo que no Brasil os livros de literatura infantil vêm sendo duramente criticados e até mesmo censurados, por falta de leitura e compreensão do texto literário e também por se fazer leitura literal de um texto repleto de imaginação. Harry Potter e o universo fantástico de Hogwarts, por exemplo, falam sobre os conflitos da adolescência, sobre amizade, sobre a eterna luta entre bem e o mau, sobre empatia, medos, crescimento, desafios. Pensar que os livros de J.K. Rowling são obras satanistas, que sua intenção era ensinar bruxaria para os adolescentes, é ser incapaz pensar metaforicamente, de transpor pontes construidas com a imaginação, é se fechar ao diálogo, à troca de experiências leitoras, a outros modos de ver e pensar o mundo fora da sua caixinha.
Essa incapacidade tem nos levado a negar não só a imaginação, como a própria ciência. Ler tudo que é escrito de modo literal, fundamentado apenas por dogmas - que, por serem dogmas, jamais permitirão questionamentos, apenas servidão - é lançar a todos numa vala funda de pensamento raso.
Ler de forma
literal o texto literário, que tantas vezes se utiliza de metáforas, poesia e
ludicidade, para fazer pensar de forma mais divertida – especialmente nos
textos de literatura infantil – temas fundamentais para os seres humanos, é um
erro. Ler um texto escrito para a infância e compreender sua poesia, no
entanto, não é tarefa simples. Ler em língua de brincar é tarefa complexa, a
qual apenas crianças, poetas brincantes e adultos que não deixaram morrer seu devir-criança,
são capazes de compreender.
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