Encontrei no Canal TV Escola uma versão em
desenho animado de “Morte e Vida Severina”, obra prima de João Cabral de Melo
Neto. A obra foi adaptada para os
quadrinhos pelo cartunista Miguel Falcão e em 2012 ganhou esta linda versão
audiovisual. Preservando o texto original de João Cabral de Melo Neto, a
animação dá vida e movimento aos personagens deste belíssimo auto de natal
pernambucano, publicado originalmente em 1956. “Em preto e branco, fiel à
aspereza do texto e aos traços dos quadrinhos, a animação narra a dura
caminhada de Severino, um retirante nordestino, que migra do sertão para o
litoral pernambucano em busca de uma vida melhor”.
segunda-feira, 12 de novembro de 2018
quinta-feira, 8 de novembro de 2018
DOENÇA RUIM (CRÔNICA DA SEMANA)
Lembro, desde
criança, que meu avô jamais pronunciava a palavra câncer. Era como se a palavra
carregasse consigo um mau agouro. Assim, quando precisava falar “daquela
doença”, utilizava a expressão “doença ruim”. Creio que ele pensava que não
falando da doença, ficaria imune a ela. Ainda hoje muitas pessoas preferem não
ir ao médico, preferem não investigar, não saber. - Melhor não ficar procurando
doença, dizem. Não entendem que muitas doenças, se diagnosticadas precocemente,
podem ser melhor tratadas e até mesmo curadas. Não falar de uma doença não
deixa ninguém imune a ela. Pelo contrário, falar francamente e informar
corretamente é a única chance de um diagnóstico precoce e um tratamento mais eficaz.
Nestes últimos
meses parece ter virado modismo no Brasil censurar livros infantis e infanto-juvenis,
impedir que temas importantes sejam abordados na escola, moralizar discursos,
aniquilar a arte e a cultura, aprisionar o pensamento crítico. Veja bem, não
querer que crianças descubram o medo, a morte, a dor, por meio da literatura,
assim como proibir que os jovens falem - de forma mediada pelo adulto - sobre
drogas, sexo, gravidez precoce, entre tantas temáticas que lhes desperta a
curiosidade, não é protegê-los, muito pelo contrário, isso os deixa frágeis
frente às adversidades da vida. Como enfrentar monstros bem maquiados se nunca lhes
foi dito que monstros existem e que podem se disfarçar muito bem?
Não falar sobre
temas inquietantes é como não falar da doença ruim. Não falar em estupro, por
exemplo, não vai evitar que uma criança ou jovem seja estuprado, vai apenas
deixá-los mais expostos. Por desconhecerem, por não saberem que há limites e regras
de comportamento e que as pessoas de todas as idades, até mesmo adultos,
familiares, amigos, devem respeitar essas regras, tornam-se presas fáceis, frágeis.
Para prevenir é preciso falar. Não basta punir o criminoso, pois isso não
evitará a dor, nem eliminará o trauma de quem foi submetido a este ou outro
tipo de violência. É preciso evitar que violências aconteçam, que se
multipliquem e deixem danos irreparáveis nas vidas das pessoas.
O diálogo e a
informação são as melhores ferramentas para educar, seja em casa, na escola, na
roda de amigos. A escola, no entanto, tem papel fundamental em apresentar a
informação de forma contextualizada. Promover a discussão de temas polêmicos,
permitir o acesso à literatura de qualidade, fomentar o pensamento crítico, não
é doutrinação. Doutrinar é o contrário disso, doutrinar é incutir ideias e
atitudes que não permitem ao outro enxergar o mundo pelas próprias lentes, mas
apenas pela lente do doutrinador. A doutrinação diferencia-se da educação
especialmente pelo fato de que se espera que a pessoa doutrinada nunca
questione ou analise criticamente o que lhe é ensinado.
Esse discurso
pronto que estamos a ouvir com olhos e ouvidos por aí, que rotula professores
de doutrinadores, chama artistas de vagabundos e agricultores de bandidos é
tóxico, descontextualizado e perigoso. Um projeto de lei que busca colocar
antolhos nos alunos e mordaça nos professores, fragiliza uma sociedade inteira,
porque tira de nossas crianças e nossos jovens a capacidade de reconhecer o
perigo, de criar estratégias de prevenção e defesa para os muitos tipos de
violência. Nossa sociedade está doente de muitas formas e não falar de suas
doenças ruins não impedirá que o câncer avance, mas tornará impossível qualquer
tipo de tratamento, precoce ou paliativo.
quinta-feira, 1 de novembro de 2018
DAS URGÊNCIAS DESTE MOMENTO (CRÔNICA DA SEMANA)
Na semana em que
celebramos o Dia Nacional do Livro (29 de outubro), vivemos também o fim de um
período eleitoral difícil no Brasil, amparado por uma overdose de imagens e mensagens lançadas freneticamente na TV,
jornais e redes sociais. Eram tantas que embaralhavam os olhos e o pensamento.
Eram tantas que cansavam, e no cansaço de tanta informação, muitos se prendiam
apenas ao título. Não dava tempo para ler uma reportagem ou entrevista, ou
checar a fonte da informação, pois logo éramos bombardeados com outras tantas
informações. E cegos de tanto ver e pouco ler, muitos compartilhavam a
informação que não informava, a informação mentirosa.
É urgente resgatarmos
a curiosidade, que nos faz ir atrás das informações. É urgente resgatarmos (ou
adquirirmos) a habilidade de ler o texto e interpretar seu contexto. Mas, para que
isso aconteça, é imprescindível conhecermos a história, para que possamos
compreender o momento histórico de cada narrativa. Somos quem somos porque nos
sabemos. E nos sabemos porque temos memórias que nos constituem, lembranças de
momentos vividos e outros tantos narrados por nossos pais, avós, familiares. Sem
nossas memórias deixamos de ser, uma vez que já não nos sabemos.
Vivemos um tempo
estranho, de ataque à literatura, especialmente a literatura infantil. Livros
infantis, alguns escritos e lidos a mais de 30 anos, são vistos hoje como uma
ameaça. O que estamos fazendo com nossas crianças? Estamos roubando delas toda
forma de pensamento crítico, não queremos que leiam, que discutam, que
contestem, que sejam. Que ingenuidade pensarmos que o mundo será melhor assim,
com seres obedientes e alienados. Não estamos a medir o risco de uma geração
que já nasce cercada de tecnologia e não desenvolve capacidade de questionar o
que está em frente a seus olhos. Crianças questionadoras dão trabalho para
pais, professores e quem mais estiver por perto. Mas quem escolhe ter filhos,
ou trabalhar com crianças, deveria saber que crianças dão trabalho.
E não venha
reclamar que os adolescentes não saem da frente do computador. Que alternativa
lhes oferecem os adultos? Convidam para um passeio, para ir ao cinema, para ler
uma história juntos, para jogar um jogo, ir ao teatro? Os adultos são parceiros?
Os adultos largam seus afazeres para convidá-los para partilhar o tempo?
Convidavam para esta partilha quando ainda eram pequenos?
Vejo pouca perspectiva para um país que lê
pouco, que não interpreta o que lê, que censura seus artistas, que recrimina
seus professores, um país onde a sociedade está mais ocupada em vociferar do
que poetar, um país onde pais se preocupam mais em domesticar do que acarinhar,
dialogar, estar junto. Mas acredito num país de pessoas que se dão as mãos para
partilhar o tempo, que sentam em roda para ler histórias, cantar, conversar.
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