quinta-feira, 18 de julho de 2019

UM COLO DIFERENTE (CRÔNICA DA SEMANA)


Quando meu filho encontrava-se hospitalizado, sempre o acompanhava nas internações, além das roupas, fraldas e remédios, seu bonequinho de pano, seus DVDs musicais e seus livros preferidos. Apesar de toda limitação física, que lhe impossibilitava falar como outras crianças, ele conseguia se comunicar muito bem. A palavra, ainda que não fosse expressa verbalmente, estava nele, pois a linguagem sempre foi estimulada, através de diálogos, canções, histórias.
Sua última internação hospitalar durou 65 dias. Foram 65 dias de histórias e canções, de celebração da vida e partilha de afetos. Naqueles 65 dias, por mais difícil que fosse a sua situação, através dos vidros daquele imenso aquário que é uma UTI Pediátrica, eu partilhava da luta de outras mães e de outros bebês. Partilhava das lutas, das dores, das conquistas e das perdas. Muitas vezes olhava para aqueles bebês tão pequenos e tão frágeis. Olhava para seus pais, que esperaram tanto pelo momento de sua chegada, para pegar o filho no colo e acarinhar. E tudo que podiam fazer era olhar e sentir, raramente tocar.
No meu lado do aquário, quando me sentia impotente, eu cantava e contava histórias. Sabia que, quando a minha mão não podia tocar, minha voz podia. O tato é um sentido importante, quase sempre acarinhamos tocando a pele do outro. Mas a audição também é um sentido, assim como o paladar, a visão, o olfato. Contar histórias é um ato de carinho, um modo de cuidar, um laço que enlaça o bem querer entre duas ou mais pessoas.
Contar histórias, ler poesias, cantar canções, além de acarinhar os sentidos e aproximar as pessoas, podem produzir sentidos para a vida. Só temos certeza do aqui e agora, por isso, devemos saber viver o tempo presente do modo mais significativo, intenso e amoroso que podemos.
Naqueles 65 dias vivi intensamente o aqui e agora. Mas, era difícil ver outras mães sem poder tocar, alimentar, aconchegar seus pequenos. Foi então que pensei que se tivessem livros ao alcance das mãos, poderiam ler para seus bebês. Se, naquele momento, embalar no colo não era possível, poderiam embalar com palavras, com sons, com melodias. Histórias e poesias poderiam conectar pais e bebês de uma forma mais leve, ajudando a superar a dureza das horas dentro de uma UTI.
Foi assim que surgiu a ideia de um espaço para disponibilizar livros, portais para outros mundos, onde pais e bebês podem viver momentos mais leves e divertidos, onde o carinho e o embalo de um colinho, podem chegar de outros modos, por outros sentidos, estreitando laços, fortalecendo vínculos.

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