quinta-feira, 22 de novembro de 2018

COMO NO JARDIM DE INFÂNCIA (CRÔNICA DA SEMANA)


Quando eu era criança gostava de comer apenas a clara do ovo, depois de um tempo preferi a gema, hoje como o ovo inteiro, preparado de diferentes formas. Enquanto eu preferia o ovo preparado de um jeito, depois de outro, a ciência provou que o ovo era um veneno, depois que era antídoto. Foram tantas as controvérsias sobre o tema que Luís Fernando Veríssimo certa vez escreveu que deveria receber algum tipo de indenização pelos ovos que deixou de comer.
Na vida é assim, volta e meia mudamos de opinião – e podemos mudar –, especialmente depois que experimentamos novas possibilidades, conhecemos novos fatos, ponderamos nossas escolhas. Mudar de opinião pode ser sinal de amadurecimento, quando decorre de reflexão, análise crítica, ponderada e consciente.
Mas é preciso lembrar que as crianças também mudam de opinião com bastante frequência, mudam até as regras da brincadeira porque não gostam de perder ou ficam chateadas. Quando sentem-se acuadas, crianças pequenas não discutem, apenas reagem. Se o “melhor amigo” faz algo que não gostam, deixam de ser melhores amigos para se tornarem arquirrivais em uma fração de segundos.
O mundo virou um Jardim de Infância com uma professora muito rígida e que pouco entende de crianças. Reflete-se pouco, dialoga-se menos ainda e a leitura crítica/ contextualizada é precária. Não sei se é falta de aptidão leitora ou falta de vontade de compreender o texto (escrito, falado, desenhado) em um contexto mais amplo.
Se interpretamos toda opinião alheia como uma crítica pessoal, estaremos reduzindo a lente pela qual contemplamos o mundo, escolhendo olhar para todo dito por um viés estreito e reducionista. Faremos como as crianças, que quando ainda pequenas só conseguem pensar o mundo colocando-se como centro dele.
Andamos a viver uma fase um tanto egoica da nossa história, onde todo posicionamento é interpretado não a partir de fatos, evidências históricas ou científicas, mas a partir do que cada um pensa ser a verdade absoluta.   Assim, aquilo que me agrada pela manhã, pode me ser muito indigesto à tarde e indesejado à noite.
Vejo, com frequência, pessoas exaltarem ardentemente o trabalho de um escritor, cartunista, colunista, num dia e criticarem raivosamente no dia seguinte, sendo que muitos destes profissionais tem em sua arte uma digital impressa, são coerentes no modo pelo qual olham o mundo, não ficam flutuando.
Foi o que aconteceu esta semana com o brilhante Alexandre Beck, autor das tirinhas do Armandinho. Uma tirinha que sempre foi marcada pela sensibilidade e também pela criticidade. Armandinho e sua turma são crianças super antenadas e questionadoras. Através de seus personagens, Alexandre Beck faz, em apenas três quadrinhos, uma síntese de situações que lemos cotidianamente nos jornais, nas telas de nossos computadores e TVs. Suas tirinhas não inventam, apenas traduzem em outra linguagem o que está dito de muitas formas e é sabido por todos.  
O Armandinho tornou-se um personagem conhecido não porque é uma criança fofa, mas porque é, assim como a Mafalda, um personagem questionador, problematizador. Como esperar que uma criança questionadora seja seletiva? Criança questiona tudo, que é para entender o mundo e suas engrenagens. Como não temer um futuro onde professores, artistas e crianças são ameaçados apenas por pensarem? Queremos mesmo um mundo onde o pensamento crítico seja um ato subversivo?

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