quinta-feira, 19 de março de 2020

COMO UMA ONDA

Lembro como se fosse hoje o dia em que meu pai chegou em casa com o disco “Último Romântico”, do Lulu Santos.  Eu tinha dezesseis anos e era apaixonada pelo Lulu. Meu pai deixou o disco na porta da frente de casa, tocou a campainha e correu pra ver a minha reação abrindo a porta.
Por que em meio a uma pandemia de COVID-19, doença causada pelo mais recente coronavírus descoberto, eu lembrei do meu LP do Lulu Santos?! Porque a primeira música do lado A do disco é “Como uma onda”. E, nesses dias de quarentena e reflexão, faz muito sentido cantar “nada do que foi será/ de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará”.
Acredito verdadeiramente que na vida tudo é aprendizado, embora, às vezes, a gente demore pra aprender a lição. No momento que escrevo este texto, é tempo de aquietar e ficar na casinha. É preciso também não se deixar enlouquecer pelos celulares que não param de apitar com a chegada de tantas mensagens que, se não filtrarmos, ou nos colocam em estado de pânico, ou nos fazem pensar que está tudo sob controle.
Calma, não estamos à beira de um apocalipse zumbi, mas também não está tudo bem. Não é porque não enxergamos esse monstrinho viral, que ele não existe. Não sejamos arrogantes. Que possamos aprender com a experiência dos outros países, onde o coronavírus chegou antes.
O Lulu e o Nelsinho Motta, em “Como uma onda”, também escreveram assim: “tudo que se vê não é igual ao que a gente viu a um segundo. Tudo muda o tempo todo no mundo. Não adianta fugir, nem mentir pra si mesmo agora. Há tanta vida lá fora e aqui dentro sempre como uma onda no mar”. Nossa organização cotidiana, nossos planejamentos mudaram e seguirão mudando. É que tudo muda o tempo todo no mundo. E não adianta fugir, nem mentir pra si mesmo agora.
Toda experiência é potencialmente ensinante, mas a gente tem que querer aprender com ela. Neste momento, podemos aprender a colocar em prática aquilo que a gente sempre diz, mas nem sempre faz, como lavar as mãos com frequência. Podemos aprender a ser mais coerentes com as notícias que ouvimos, antes de passá-las adiante. Podemos aprender que pânico não ajuda a combater o vírus e que se cuidar é cuidar do outro. Aprender que as redes podem ser verdadeiramente sociais e que a ciência feita por cientistas é importante. Aprender que a arte pode ajudar a aquietar o coração e divertir as crianças em tempos de recolhimento. Aprender a criar outros modos de viver e conviver. Aprender a respeitar os outros, inclusive um vírus e seus companheiros.
Podemos aprender muito com toda essa mudança em nossas rotinas, mas ela também pode provocar um tsunami dentro da gente, se não soubermos levar com tranquilidade e sabedoria o que virá pela frente.  Há muita vida lá fora, muito abraço pra ser dado depois que aprendermos a conviver mais pacificamente com esse bichinho, assim como aprendemos a conviver e nos proteger dos que vieram antes dele. É preciso calma para saber levar a vida nos fluxos que ela impõe, num indo e vindo infinito, como uma onda no mar.

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