quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

CORTINAS DE FUMAÇA (CRÔNICA DA SEMANA)


Em batalhas e guerras da antiguidade, especialmente em combates marítimos, os barcos se escondiam em meio à névoa para ficarem protegidos de seus inimigos. Essa névoa, que podia ser natural ou produzida pelas próprias chaminés dos navios, era chamada de cortina de fumaça. Conta-se, que com o aprimoramento das técnicas de combate, elementos tóxicos passaram a ser incorporados às cortinas de fumaça, transformando a névoa numa arma poderosa contra os inimigos. Deste modo, as cortinas de fumaça passaram a ser produzidas e utilizadas também para o ataque.  
Hoje em dia, essas técnicas de ataque não são mais utilizadas em combates navais. Uma versão mais atual, porém, são as bombas de gás lacrimogêneo, que quando lançadas, tornam-se verdadeiras cortinas de fumaça. O gás, por sua vez, produz uma resposta química em quem é atingido por ele, tornando a pessoa mais frágil frente a quem jogou a bomba.
Uma cortina de fumaça, nessa perspectiva, é sempre uma forma de subjugar alguém, enleando seus sentidos para embaçar seu foco. Cortina de fumaça é um jogo de enganação. A mídia nos joga cortinas de fumaça o tempo todo. As propagandas são cortinas de fumaça, que nos fazem pensar ter necessidade real do que é supérfluo, em detrimento do que realmente nos é necessário.
Em tempos mais recentes, no entanto, muitas temáticas têm sido tratadas como cortinas de fumaça. São temas, dizem alguns, menos importantes. Enganam-se, porque não é menos importante uma pauta que busca regrar, sem diálogo algum com a sociedade, o modo de viver, até mesmo no espaço doméstico.
Toda essa discussão sobre menina veste rosa, menino veste azul; meninas serão chamadas de princesas e meninos de príncipes; um revólver é tão perigoso na mão de uma criança quanto um liquidificador, entre outros tantos, não são cortinas de fumaça. E vale lembrar que, ainda que o fosse, onde há fumaça há fogo.
Dizer tratar-se de metáforas o modo como essas questões chegam aos nossos olhos e ouvidos, é não querer se responsabilizar pelo próprio modo de pensar e dizer. ou não dimensionar o poder da metáfora.
No livro “O carteiro e o poeta”, a mãe da jovem Beatriz, preocupada com o que o carteiro pudesse ter feito para seduzir a filha e descobrindo que ele havia usado apenas palavras, simples metáforas, sem em nenhum momento ter tentado tocá-la, disse que preferia que um bêbado da estalagem lhe passasse a mão, do que um carteiro que ficasse lhe dizendo que seu sorriso se estende como uma borboleta.
As palavras, independente do contexto, sempre dizem algo. Uma metáfora é um jeito diferente de dizer algo, mas diz. É ingenuidade pensar que metáforas são inofensivas, elas têm poder de seduzir e convencer. Elas podem até ser cortina de fumaça, no sentido que falam de modo figurativo e com isso, nem todas as pessoas entenderão exatamente o que a mensagem quer dizer, mas ainda assim, subliminar ou não, metaforicamente ou não, toda mensagem tem algo a dizer e muito a expressar. 
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