quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

A VERDADE ANDA TÃO DÉMODÉ

A arte sempre fez parte da minha vida, especialmente a música e literatura. Eu não toco nem caixinha de fósforo, mas meu pai era um exímio guitarrista. A casa dos meus pais sempre foi muito musical, meu pai ouvia rock instrumental, Beatles e orquestras, minha mãe gostava de Roberto Carlos e Elis Regina.  Eu virei o mix dos dois e vivi a efervescência do rock nacional dos anos 80.
Minha banda favorita, desde a adolescência, sempre foi a Legião Urbana. De todos os discos, Legião Urbana Dois é o meu preferido. Na última faixa do Legião Urbana Dois, Renato Russo canta, com sua voz grave: Quem me dera ao menos uma vez/ Explicar o que ninguém consegue entender/ Que o que aconteceu ainda está por vir/ E o futuro não é mais como era antigamente// Quem me dera ao menos uma vez/ Provar que quem tem mais do que precisa ter/ Quase sempre se convence que não tem o bastante/ Fala demais por não ter nada a dizer.
Legião Urbana é tão anos 80 e tão 2020 que nem sei explicar. Nem precisa de explicação, é só cantar, pensar e sentir. Legião Urbana não é incontestável, mas é real demais. E ser real demais em tempos de falsas verdades, é um perigo. Talvez, por esta razão, tenta-se desacreditar a arte, a educação, a ciência, bem como os artistas, os educadores e os cientistas.
Que mundo bacana seria este se nossos jovens aprendessem a ler e compreender o que leram em livros, letras de músicas e obras de arte. Se esse exercício de ler e conjeturar, ouvir e discutir, observar e refletir, fosse uma constante na vida cotidiana de nossas crianças e jovens, seria suficiente para que soubessem distinguir realidade de ficção, metáfora de pensamento concreto,  verdades de falsas verdades. 
Em 2016 o Dicionário Oxford cunhou um termo que resume esses tempos estranhos e paranoicos que andamos a viver no Brasil e no mundo. A pós-verdade  (post-truth), diz o Dicionário Oxford, “relata ou denota circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência na opinião pública que o apelo às emoções e às crenças pessoais”. 
Em tempos de Fake News já não importa que a notícia veiculada seja falsa, contanto que ela se encaixe no que eu acredito, naquilo que eu sinto que deva ser a verdade. Penso que essa é a síntese da pós-verdade. No mundo da pós-verdade já não são os fatos que organizam as coisas e sim as percepções e os sentimentos, por mais absurdos que eles possam ser.
Na época da pós-verdade, não há como contestar qualquer argumento com fatos ou evidências científicas, uma vez que esta se sustenta em achismos e não em evidências. A pós-verdade tornou o diálogo impossível. O mundo evoluiu até aqui com a ciência porque ela é questionável, porque suas verdades não são absolutas. Mas no mundo da pós-verdade, se eu achar que é, então é. E não há como contradizer isso, pois eu não preciso provar nada, preciso apenas sentir que algo é verdade. Tudo que a pós-verdade não é, é libertadora.  

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