quinta-feira, 8 de agosto de 2019

NÃO SOMOS AVATARES

As redes sociais são espaços de grande partilha de afetos. Houve um tempo, porém, em que partilhávamos afetos mais interessantes e menos tóxicos. Pouco tempo atrás as imagens e palavras compartilhadas nos espaços virtuais pareciam fazer mais sentido. Haviam páginas de notícias falsas, mas estas já se anunciavam como isentas de verdade, deixando claro seu desejo de divertir com humor e não de inventar novas verdades, ou criar falsas narrativas para recriar a história.
O que lemos e vemos hoje nas redes sociais é que o mundo está perdendo a graça e isso não é em função do politicamente correto. Ao contrário, assistimos à normalização e à normatização do politicamente incorreto. O que antes era vergonhoso, passou a ser motivo de orgulho e ostentação. Para muitos é bacana mostrar-se agressivo, repressor, desrespeitoso, preconceituoso, racista, misógino, homofóbico, antiético, nepotista, ignorante.  As pessoas aplaudem e mitificam esse tipo de atitude e buscam argumentos para justificar o injustificável, ainda que para isso destruam a ciência, a educação, a nação, o planeta.
Não há justificativa racional para o que estamos vivendo nas redes sociais e para tudo que transbordou para fora delas. Não é racional, é apenas visceral. Abrimos mão da nossa caminhada enquanto espécie, escolhemos andar de marcha à ré com uma pressa absurda para voltar ao passado, à idade média, às cavernas. A ciência e os cientistas são todos os dias desacreditados com argumentos que não são argumentos, são opiniões de meninos mimados que ganharam o poder e agora brincam de o chefe mandou com o planeta, com a vida das pessoas, com as relações humanas, com o destino de todos nós.
Quando é que vamos entender que estamos todos no mesmo barco, que moramos todos num mesmo mundinho de recursos esgotáveis? Não somos avatares, não haverá play again depois do game over. Desmatamento, aquecimento global, degelo, acúmulo de lixo, poluição, falta se senso crítico, de comprometimento, de empatia, isso vai nos matar. É verdade que todos vamos morrer um dia, mas estamos antecipando a nossa morte e a dos recursos do planeta, por aplaudirmos e sermos coniventes com a burrice e a prepotência.  
As redes sociais são espaços de grande partilha, mas somos nós que escolhemos o que ver, ouvir, partilhar. Se escolhemos partilhar mentiras e violência é bom lembrar que a vida é um grande boomerang. E lembre-se, não somos avatares, somos pessoas dando e recebendo de volta o eco daquilo que partilhamos. Não haverá play again para a nossa geração, mas talvez possa haver para a de nossos filhos e netos. Talvez eles possam dar restart se nós iniciarmos o reset.  O controle desse jogo está em nossas mãos.

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