sexta-feira, 3 de maio de 2019

ENTRE A CIÊNCIA E A TRUCULÊNCIA (CRÔNICA DA SEMANA)


O Brasil vai sendo, pouco a pouco, novamente tomado pelo medo, por muitos medos plantados intencionalmente por teorias conspiratórias, que chegam tão seguras de si aos ouvidos, que nem são questionadas. É impossível refutar uma teoria conspiratória, diz Henry Bugalho, pois toda vez que argumentações, fatos e dados contrários à tese conspiratória são apresentados, eles passam a fazer parte da própria conspiração.
E assim caminha a humanidade, entre teses conspiratórias lelés e pessoas com uma habilidade leitora precária, que não lhes permite compreender que todo texto tem um contexto, que a verdade não é tudo aquilo que se lê ou se ouve nas mídias e redes sociais, ainda que por pessoas diplomadas e elegantes, mas sem ética e senso crítico.  
Que a educação brasileira enfrenta problemas não é novidade, mas vínhamos numa caminhada de autonomia do pensar, que aos poucos qualificava o fazer pedagógico e os processos de ensinar e aprender. Os principais problemas da educação no Brasil eram (e são) a qualificação e formação profissional, a má remuneração dos professores e a precarização do espaço físico das escolas. E quando falo de nossas escolas, falo de todas, da Educação Infantil à Universidade.
Como qualificar melhor professores sem uma remuneração razoável que lhes dê acesso a bons livros e revistas, sem boas Universidades, sem equidade de condições de acesso à Universidade? Como qualificar bem os professores, assim como médicos, engenheiros, veterinários, entre outros profissionais, sem uma educação que lhes ensine a pensar, a ser curiosos, questionadores, pesquisadores?
Uma educação de qualidade se faz com um projeto de nação e não sem, nem ao menos, um projeto de governo. Uma educação de qualidade se faz olhando para o futuro e não para o próprio umbigo. Uma educação de qualidade se faz ampliando o olhar e não colocando antolhos. Uma educação de qualidade é plural, questionadora, desacomoda. Uma educação de qualidade não coloca medo, não cala, nem reprime.
Precisamos de uma educação que vá muito além do ensinar a ler, escrever e fazer contas, que nos ensine mais do que apertar parafusos e bater martelos, que nos torne algo mais do que “pessoas capazes de fazer e incapazes de pensar sobre aquilo que fazem”, como escreveu Jane Tutikian, Vice-Reitora da UFRGS.
É surreal que estejamos vivendo tempos de tamanho desdém pela educação e pela cultura e de desrespeito por seus profissionais. Esse ataque às ciências humanas, aquelas que nos ensinam a pensar e fazem de nós seres racionais e reflexivos, muito mais do que fazedores de contas, é feito por pessoas que tem medo dos questionamentos, gente que não têm argumentos razoáveis e que ao não encontrarem argumentos, apelam para palavras chulas, xingamentos e truculência.
Não é preciso coragem para rosnar, nem grande quantidade massa encefálica. Mas há que se ter muita coragem para ler e saber o que leu, para questionar, para argumentar, ponderar, conviver em sociedade. Essa coragem não é aprendida com armas e imposições, mas com diálogo e pensamento crítico. As ciências, todas elas, mas especialmente aquelas que nos fazem melhor compreender o humano em nós, são ferramentas poderosas, por isso causam tanto medo. Mas há quem escolha seguir a vida a pensar, corajosamente. Com essa coragem que, como diz Mario Sergio Cortella, não é feita de ausência de medo, mas da capacidade de enfrentar o medo que anda a nos ameaçar.

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