quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

PROTEGER É OUVIR E ORIENTAR (CRÔNICA DA SEMANA)

           
Tem se tornado comum, quase um modismo,  censurar contos de fadas, retirar livros de bibliotecas escolares, calar professores, criticar a educação, boicotar o pensamento crítico, colocar as crianças numa bolha temática e de pouco diálogo, que às torna frágeis, protege apenas de mentirinha, pois não alerta, não ensina, não apresenta problemas reais, nem aponta caminhos possíveis. 
Quando, na escola onde meu filho estuda, perguntaram aos adolescentes sobre quais temáticas gostariam de pesquisar, muitos temas interessantes e inquietantes surgiram. A escola poderia ter norteado as temáticas as quais os alunos deveriam se debruçar para a iniciação científica, sem dúvida seria menos trabalhoso se os estudantes pesquisassem temas que os professores já tivessem conhecimento e domínio de conteúdo. Mas não, escolheram perguntar aos jovens, porque entendem que pesquisa deve nascer da curiosidade. Neste diálogo muitos assuntos curiosos surgiram, desde ciências e mitologia até questões de gênero e sexualidade.
Um dos temas levantados foi a origem do machismo. Meu filho lançou como proposta temática a indústria pornográfica. Quando lhe perguntei surpresa, porque havia escolhido esse tema, ele disse que inicialmente foi uma brincadeira. Tinha que escolher um assunto, então falou o mais improvável que lhe veio à cabeça. A professora, assim como a escola, podia ter ficado horrorizada, fazer de conta que não ouviu, negar. Mas, para minha alegria, deu ouvidos, acolheu a ideia, sugeriu que ele e a colega, que desejava pesquisar sobre o machismo, unissem as temáticas. Depois, orientou a pesquisa que, no final do ano, seria apresentada para banca avaliadora em evento aberto ao público.
A apresentação foi muito bacana e seus achados preciosos, não apenas para eles, enquanto jovens pesquisadores, mas também para a turma, que acompanhou o desenrolar da pesquisa, assim como para pais e professores, que assistiram uma apresentação madura, sobre temas complexos e com descobertas interessantes.
Durante a trajetória da pesquisa, toda ela acompanhada e orientada pela professora, um dos achados foi que, quando digita-se a palavra bombeiro, numa busca aleatória no Google, ele busca imagens de bombeiros em serviço. No entanto, quando se digita a palavra bombeira, as imagens que aparecem são de mulheres em fantasias eróticas. O mesmo acontece com outras profissões como enfermeiro e enfermeira, policial e policial feminina.
Perceberam (e amadureceram neste perceber) que a referência de gênero por si só constrói um imaginário sobre o papel da mulher na sociedade, especialmente à desqualificando em determinadas práticas profissionais. Penso ser fundamental para a formação do senso crítico e do modo de se colocar no mundo, que os jovens possam perceber que estas questões são construções sociais e que nós fazemos parte deste construto. E também, que podemos reforçar ou desconstruir estereótipos.
Andam a dizer que a educação não deve tratar de temas ainda considerados tabu. Mas não tratar de temas delicados não é zelar, nem proteger nossos jovens. Eles precisam saber que o mau existe, que estereótipos são construídos e reforçados, que homens e mulheres são tratados de modos diferentes não apenas no lhes diferencia de fato, mas na construção social que se faz do que pode um e outro, do quanto vale o fazer de um e de outro.
Educar e proteger é orientar, é abrir os olhos, é apontar caminhos, é ensinar que o mau existe e que precisamos conhecê-lo, para que possamos combatê-lo. E, sobretudo, que não estamos sós nessa jornada. Pais e educadores devem estar juntos para apontar caminhos e não para colocar antolhos.
 


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