sexta-feira, 7 de setembro de 2018

SEMANA DE UMA PÁTRIA QUE NÃO ESPIA PARA DENTRO DE SI


Esta semana da Pátria não está sendo fácil, pouco temos a celebrar. Iniciamos a semana com o incêndio do Museu Nacional. Depois a agressão física a um político que, ainda que sem escrúpulo algum, ainda que seja um grande incentivador da violência, só faz mobilizar em nós o pior. Para finalizar, mais uma caça às bruxas à literatura infantil. Há muito, muito mesmo o que pensar, o que refletir, o que escrever. Ainda não achei tempo para escrever do jeito que me agrada, com muita reflexão, mas acharei em breve. Por enquanto, partilho as palavras da Contadora de Histórias Nyedja Gennari. Palavras aliás, que foram retiradas das redes sociais por uma série de denúncias de gente que, sem condições de dialogar, não se coloca na conversa, apenas tenta calar a boca de quem promove o bom debate.

“Eu preciso manifestar aqui minha opinião sobre a polêmica gerada em torno do livro "O menino que espiava para dentro”, da consagrada mundialmente, escritora brasileira Ana Maria Machado, a qual, confesso, sou fã.
Eu possuo um exemplar da primeira edição que foi lançado em 1983. Nem sei mensurar quantas vezes eu li e contei essa história ao longo dessa vida e principalmente nesses 25 anos de profissão. Minhas filhas leram, releram inúmeras vezes também. Sempre remetemos o livro a sonhos e imaginação, algo tão importante ao desenvolvimento cognitivo das crianças e necessário como um resgate na vida adulta. Jamais fizemos ou presenciamos, alguém que fizesse de tão bela história uma apologia ao suicídio. Temos que entender que um livro não mata, uma música não mata, um pé na bunda não mata, uma nota baixa não mata. O que mata é uma sociedade pouco acolhedora, intolerante, cheia de padrõezinhos e hipocritamente moralista.
Não precisa uma árvore de problemas para perceber que estamos, de novo, focando no máximo em uma situação problema, e não no problema. Para quem não leu o livro e está replicando o “ai meu Deus", o menino ensina a como se matar engasgando com uma maçã”, essa parte do livro (que é 1/20 do resto) faz uma apologia aos clássicos Branca de Neve e Bela Adormecida... Nunca ouvi alguém querer proibir esses clássicos de circularem, embora eles também atribuam uma dimensão encantada à vida da criança (ver Bettelheim, 1980). Também nunca vi criança fugindo de casa para viver aventuras porque leu “A Ilha perdida” (amamos esse também). Espia para dentro em diversas situações, e na polêmica da maçã, ele imagina “engasgar com a maçã para ser despertado por um beijo”, o que acontece quando sua mãe o desperta para ir à aula depois de uma noite cheia de sonhos, e lhe dá de presente um cachorrinho, que substitui seu amigo imaginário nas suas fantasias. Só isso. Só isso mesmo.
Sei que queremos proteger ao máximo o que nos é mais importante: nossos filhos. Mas acho que estamos em uma paranoia coletiva de superproteção em que professores, livros, colegas, o mundo todo é ameaçador e culpado de qualquer sofrimento que nossos filhos possam vir a ter. Nessa vibe, deixamos de ensiná-los que são os responsáveis pela própria felicidade, por falar não para desafios, por valorizar a vida própria e dos outros são eles próprios os responsáveis por si nessas situações, nos cabe apenas orientar, ensinar.
O foco do problema deve ser na psiquê das crianças, porque interpretações de texto, música sofrência, pé na bunda, notas baixas, pênalti batido errado, amigos zoando... Isso faz parte da vida delas. Eu sou totalmente contrária a essa higienização literária, e acho que é mais uma ação no sentido de lermos cada vez menos, refletirmos e questionarmos o mínimo possível, pra galera do "aí meu Deus" fazer o que bem entender” (Nyedja Gennari).

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