quinta-feira, 20 de junho de 2019

A MATERIALIDADE DOS AFETOS


Alguns meses atrás presenteei uma criança com um DVD de músicas infantis que eu adoro. Naquela tarde presenciei (quase envergonhada) a expressão de perplexidade de muitos convidados da festa. Afinal, quem, na segunda década do século XXI, ainda presenteia com CDs ou DVDs? Neste sentido, os livros ainda estão em vantagem, pois são recebidos com menor espanto e algum carinho. Particularmente, aprecio a materialidade dos afetos e gosto de presentear com aquilo que me faz bem. Penso que se me minha experiência com um objeto me traz aconchego, deverá levar também a quem eu com ele presentear.
Gosto de artesanato, de objetos que tem assinatura ou que contam histórias. Poucos dias atrás fui num bazar organizado por uma amiga que vai se mudar e estava dispondo de roupas, bijuterias, livros, CDs, móveis, coisas que não iria levar junto. Cada objeto que escolhi evocava memórias, produzia sensações, mas também fortalecia nosso laço, pois era um pedacinho da vida de minha amiga do qual agora eu seria guardiã. Toda vez que eu escutar aquelas músicas, usar aquele lenço, aquele colar, estarei em conexão direta, afetiva e amorosa com ela.  Não são apenas objetos, são pedacinhos de memória, relicários de nossa amizade.
Há uma grande diferença entre ser acumuladora e guardar objetos repletos de significados. Guardo, entre minhas memórias afetivas materializadas, o vestido de bruxa que usei no Jardim de Infância, num desfile de sete de setembro; a revista do Menudo (boy band na minha geração), que tanto fiz para convencer meu avô a me dar o dinheiro para comprar; o recorte da Revista Veja (1984)  que noticiava o lançamento de “Verdes Anos”, produção cinematográfica gaúcha que foi fundamental na minha adolescência, guardo também ingressos e cartazes de shows e de filmes, materialidades que me lembram de quem sou e que resgatam memórias, momentos, pessoas.
Em nossas vidas, podemos abrir espaço para o novo, sem abrir mão das nossas lembranças, aquelas que nos alimentam, que nos mantém inteiros, que nos fazem bem. Amadurecer nos afetos, nas relações, no modo de pensar, não significa negar o passado ou deixá-lo de lado, mas seguir em frente, levando com a gente tudo aquilo que nos faz sentido e que podemos carregar.
Nossas memórias sinalizam quem somos, especialmente quem somos para nós mesmos. Alguns objetos ajudam a manter nossa memória viva e não há razão para nos separarmos daquilo que nos faz bem, sejam objetos, canções, pessoas, emoções.  Amadurecemos quando, apoiados nas nossas vivências, andamos em frente ressignificando e não negando o passado. A negação da nossa história, pessoal ou coletiva, nos faz tropeçar nos mesmos erros e não sair do lugar. Por isso, museus e narrativas (pessoais ou coletivas) são fundamentais para que a história não se perca e para que possamos seguir rumo a novas memórias.  

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