Tenho andando distante das postagens, mas muito próxima do trabalho, dos muitos trabalhos nestes múltiplos caminhos que escolhi trilhar. No entanto, não compartilhar essas andanças é deixar de compartilhar alegrias. Por isso, vou fazer (aos poucos) uma pequena retrospectiva das tantas andanças desses últimos dias. Começo pelo fim, com a publicação de um texto meu no Riovale Jornal (aqui de Santa Cruz do Sul), onde falo um pouco sobre as expressões "portador de deficiência" e "pessoa com deficiência". Vale lembrar que estamos vivendo aqui no Brasil a "Semana Nacional da Pessoa com Deficiência" e que eu, além de contadora de histórias e educadora, sou também fisioterapeuta.
Há alguns dias fui convidada (e
desafiada) a falar sobre a diferença entre as expressões “portador de
necessidades especiais”, “portador de deficiência” e “pessoa com deficiência”,
no Fórum de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência, que aconteceu
esta semana, na UNISC.
Desde 1964 celebra-se no Brasil, de 21 a
28 de agosto, a “Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e
Múltipla”. Na verdade, em 1964, o Decreto n° 54.188, instituiu a “Semana
Nacional da Criança Excepcional”. Pessoa
com deficiência, criança excepcional, pessoa inválida, portador de deficiência,
portador de necessidades especiais... Faz diferença o termo que se utiliza?!
Com certeza. O modo como nos referimos, como tratamos as pessoas, nos dirigimos
a elas, faz diferença, pois reflete um modo de pensar e também de estar no
mundo.
Muitos termos já foram empregados para
designar as pessoas com deficiência. O uso dessas expressões sempre esteve
inserido em um determinado contexto social. A cada época os termos usados para
definir as pessoas com deficiência têm significados que entram em consonância
com os valores vigentes em cada sociedade.
Na legislação brasileira, atualmente, o
termo ainda mais utilizado é “pessoa portadora de deficiência” (Decreto nº 3.298,
de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de
1989), mas na Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e
Dignidade das Pessoas com Deficiência (2007), ficou decidido que o termo mais
adequado seria “pessoas com deficiência”.
Uma questão que precisa ser repensada
neste contexto é o uso da expressão “portador”, que remete a uma condição de portar
algo, levar algo consigo. Quando portamos uma cédula de dinheiro, podemos ser
roubados. Enquanto portadores de um relógio, podemos esquecê-lo em casa. Quando
necessitamos portar um objeto, podemos optar em não levá-lo conosco. Observe
que tanto o verbo “portar” como o substantivo ou o adjetivo “portador” não se
aplicam a uma condição que é constitutiva da pessoa, neste caso, uma
deficiência.
Existem várias
definições de deficiência de acordo com o tipo de limitação verificada. A
deficiência pode ser auditiva, física, mental, visual ou múltipla. De qualquer
modo, o conceito válido legalmente é aquele contido no artigo 2º, inciso II, do
Decreto nº 1.744/95, que regulamenta a Lei nº 8.742/93 e que considera como
pessoa portadora de deficiência “aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de
natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das
atividades da vida diária e do trabalho”.
Creio que
o entendimento desses aspectos é necessário para que possamos nos expressar de
modo coerente, sem medo de sermos insensíveis. Mas há ainda outro termo, muito
utilizado e que, pessoalmente, me incomoda, que é “pessoa com necessidades
especiais”.
O que significa
ter necessidades especiais, afinal? O que são necessidades especiais? Como
seres humanos, possuímos necessidades básicas (como água, alimentação e
vestuário), “necessidades” que são supérfluas e também necessidades especiais.
No contexto aqui exposto, necessidade especial é aquela indispensável para que
as pessoas possam exercer e usufruir de sua cidadania (como as cadeiras/ classes
especiais para canhotos, os assentos maiores para as pessoas obesas nos meios
de transporte ou recursos educativos adaptados às necessidades de cada sujeito).
O que me incomoda no uso da expressão “especial” é o fato de fazer parecer que
uma pessoa tem algo que a torna melhor (mais especial) que as outras, já que diferentes
todos nós somos.
“Pessoa
especial” ou “portador de necessidades especiais” são expressões que me
impacientam como pessoa e como profissional, uma vez que não creio que
contribuam para a conquista da garantia de direitos, equiparação na igualdade
de acessos, adequações ambientais, distintas estratégias educacionais - e compreendo
que estas são questões fundamentais nessa discussão.
Estas
duas expressões (pessoa especial ou portador de necessidades especiais)
ganharam uma nova dimensão pessoal para mim. Hoje, como mãe de uma criança com
uma deficiência motora, essas expressões me incomodam um pouco mais. Quando me
perguntam se tenho um filho especial, respondo (ou penso em responder): - Não,
tenho dois filhos especiais, maravilhosos e com habilidades diferentes, um
deles tem uma deficiência motora e outro não.
Quando me dizem que sou uma “mãe especial”, eu sempre respondo: - Não,
sou apenas mãe de dois meninos.
Acredito que o que nos faz especiais são nossas
atitudes e não nossa condição física, sensorial ou intelectual. Creio que
estas são questões que nos fazem repensar nosso modo de estar na relação com as
pessoas de maneira realmente especial, afetiva e ética. Não posso falar pelas
pessoas com deficiência, não posso colocar-me no lugar delas, falo como alguém
que convive bem de pertinho, pessoal e profissionalmente, com muitas pessoas
com deficiência. Por esta razão, sei que o que torna as pessoas especiais não
são suas deficiências, mas o fato de serem pessoas.
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