sábado, 28 de julho de 2012

ESTATUTO DO HOMEM: ATO INSTITUCIONAL PERMANENTE

    Hoje estava assistindo a um programa que eu adoro, o "Afinando a Lingua", no canal Futura. O músico da vez era o rapper Flávio Renegado. Eu não sou muito chegada ao rap, mas confesso que achei as músicas dele bem bacanas.  Durante o programa, que falou sobre poesia e política, foram também recitados alguns dos artigos do Estatuto do Homem, do Thiago de Mello. Lembrei da Feira do Livro de Santa Cruz do Sul do ano passado, quando saí pelas ruas distribuindo trechos do Estatuto do Homem de presente para as pessoas (é que o Thiago de Mello foi o Patrono da Feira). Resolvi então, deixar o Estatuto registrado, a disposição dos amigos.   

    ESTATUTO DO HOMEM
    (Ato Institucional Permanente)
      
    Artigo I 
    Fica decretado que agora vale a verdade.
    agora vale a vida,
    e de mãos dadas,
    marcharemos todos pela vida verdadeira.
        
    Artigo II
    Fica decretado que todos os dias da semana,
    inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
    têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
      
    Artigo III 
    Fica decretado que, a partir deste instante,
    haverá girassóis em todas as janelas,
    que os girassóis terão direito
    a abrir-se dentro da sombra;
    e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
    abertas para o verde onde cresce a esperança.
       
    Artigo IV 
    Fica decretado que o homem
    não precisará nunca mais
    duvidar do homem.
    Que o homem confiará no homem
    como a palmeira confia no vento,
    como o vento confia no ar,
    como o ar confia no campo azul do céu.

    Parágrafo único:   
    O homem, confiará no homem
    como um menino confia em outro menino.

    Artigo V 
    Fica decretado que os homens
    estão livres do jugo da mentira.
    Nunca mais será preciso usar
    a couraça do silêncio
    nem a armadura de palavras.
    O homem se sentará à mesa
    com seu olhar limpo
    porque a verdade passará a ser servida
    antes da sobremesa.

    Artigo VI   
    Fica estabelecida, durante dez séculos,
    a prática sonhada pelo profeta Isaías,
    e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
    e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
      
    Artigo VII
    Por decreto irrevogável fica estabelecido
    o reinado permanente da justiça e da claridade,
    e a alegria será uma bandeira generosa
    para sempre desfraldada na alma do povo.

    Artigo VIII 
    Fica decretado que a maior dor
    sempre foi e será sempre
    não poder dar-se amor a quem se ama
    e saber que é a água
    que dá à planta o milagre da flor.

    Artigo IX
    Fica permitido que o pão de cada dia
    tenha no homem o sinal de seu suor.
    Mas que sobretudo tenha
    sempre o quente sabor da ternura.
      
    Artigo X
    Fica permitido a qualquer pessoa,
    qualquer hora da vida,
    o uso do traje branco.
      
    Artigo XI 
    Fica decretado, por definição,
    que o homem é um animal que ama
    e que por isso é belo,
    muito mais belo que a estrela da manhã.
     
    Artigo XI
    Decreta-se que nada será obrigado
    nem proibido,
    tudo será permitido,
    inclusive brincar com os rinocerontes
    e caminhar pelas tardes
    com uma imensa begônia na lapela.

    Parágrafo único:
    Só uma coisa fica proibida:
    amar sem amor.
      
    Artigo XIII  
    Fica decretado que o dinheiro
    não poderá nunca mais comprar
    o sol das manhãs vindouras.
    Expulso do grande baú do medo,
    o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
    para defender o direito de cantar
    e a festa do dia que chegou.

    Artigo Final
    Fica proibido o uso da palavra liberdade,
    a qual será suprimida dos dicionários
    e do pântano enganoso das bocas.
    A partir deste instante
    a liberdade será algo vivo e transparente
    como um fogo ou um rio,
    e a sua morada será sempre
    o coração do homem.
    Thiago de Mello
    Santiago do Chile, abril de 1964
 

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