domingo, 12 de fevereiro de 2012

POEMINHA EM LÍNGUA DE BRINCAR


Se há um poeta impossível de não se apaixonar é o Manoel de Barros.  Descobri que amava poesia de verdade através das palavras brincantes dele. Às vezes quero desacelerar a vida e penso em ler Manoel de Barros. Acontece que não dá pra ler Manoel de Barros para desacelerar, é preciso desacelerar para lê-lo. Delícia!! Algumas das melhores brincadeiras das férias, inclusive com o João e o Arthur, foram lendo as brincadeiras do Manoel. Hoje reli essa delícia e decidi compartilhá-la.

POEMINHA EM LÍNGUA DE BRINCAR 
(Manoel de Barros) 

Ele tinha no rosto um sonho de ave extraviada.
Falava em língua de ave e de criança.

Sentia mais prazer de brincar com as palavras do que de pensar com elas.
Dispensava pensar.

Quando ia em progresso para árvore queria florear.
Gostava mais de fazer floreios com as palavras do que de fazer ideias com elas.

Aprendera no Circo, há idos, que a palavra tem que chegar ao grau de brinquedo Para ser séria de rir.

Contou para a turma da roda que certa rã saltara sobre uma frase dele
E que a frase nem arriou.

Decerto não arriou porque tinha nenhuma palavra podre nela.

Nisso que o menino contava a estória da rã na frase
Entrou uma Dona de nome Lógica da Razão.
A Dona usava bengala e salto alto.

De ouvir o conto da rã na frase a Dona falou:
Isso é Língua de brincar e é idiotice de criança
Pois frases são letras sonhadas, não têm peso,
nem consistência de corda para aguentar uma rã em cima dela

Isso é língua de raiz – continuou
É língua de Faz-de-conta
É língua de brincar!

Mas o garoto que tinha no rosto um sonho de ave extraviada
Também tinha por sestro jogar pedrinhas no bom senso.

E jogava pedrinhas:
Disse que ainda hoje vira a nossa Tarde sentada sobre uma lata
ao modo que um bentevi sentado na telha.

Logo entrou a Dona Lógica da Razão e bosteou:
Mas lata não aguenta uma Tarde em cima dela, e ademais a lata não tem espaço para caber uma Tarde nela!
Isso é língua de brincar
É coisa-nada.

O menino sentenciou:
Se o Nada desaparecer a poesia acaba.

E se internou na própria casca ao jeito que o jabuti se interna.

Fonte: BARROS, Manoel. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.

Um comentário:

  1. O Nada, Coisa nenhuma e o nunca são Matéria Prima. Primeira razão para vir um Artista e fazer Arte.
    Tu é a Artista que mais me influenciou na Vida Lela..
    Obrigado por Compartilhar.

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