Quando meu filho,
ainda adolescente, pergunta do que eu gostava quando tinha a idade dele, quais
eram as expressões que eu usava, que bandas eu curtia, sempre nasce uma
conversa com muitas histórias e divertidas memórias. Não vivo no passado, ouço
músicas de artistas contemporâneos, tenho referências fortes de cada tempo
vivido e que me compõem. Mas, as músicas que escutei na minha adolescência, os
livros que li, os filmes que vi e as peças de teatro que sonhei assistir,
sempre serão referências fundamentais. Não há como edificar algo bom sem uma
base sólida, nem um prédio, nem um ser humano, menos ainda uma sociedade.
Em tempos de bases
estremecidas, há que se falar sobre elas. Em tempos onde a história é maquiada,
distorcida, denegrida. Em tempos em que a ciência é desacreditada, a educação
atacada, a cultura desprezada e a violência exaltada, há que se falar sobre isso.
Para onde vamos com tudo isso?! Que base é essa que se pretende construir para
o futuro dos cidadãos brasileiros?
Lembro que meu
primeiro sonho de ir ao teatro nasceu aos doze anos de idade, quando assistia
pela TV as entrevistas e bate papos com os atores da peça Bailei na Curva. Ir
ao teatro na capital, naquela época, não era algo simples para quem morava no
interior e tinha pouco dinheiro. Realizei esse sonho uma década mais tarde,
quando a trupe de atores se reuniu para celebrar os dez anos da peça. Vi Bailei
na Curva com a trupe original e depois outras tantas montagens. Ano passado
levei meu filho, já adolescente, para assistir ao “Bailei”, porque queria
compartilhar com ele essa história e essa experiência. E foi lindo!!
Bailei na Curva
mostra a trajetória de um grupo de crianças, vizinhas da mesma rua, na cidade
de Porto Alegre, e tem como pano de fundo os fatos políticos ocorridos a partir
do golpe militar de abril de 1964 até o movimento das Diretas Já, em 1984.
Bailei traz um jogo cênico lindo, a história é profunda e aborda um tema que
precisa ser falado para que não sejamos sugados pelo Alzheimer Político que nos
cerca, para que possamos olhar para o passado e lembrar o quão difícil foi para
tantas pessoas. Para que a memória nos permita vislumbrar um futuro menos
violento. Bailei na Curva consegue, ao abordar os duros anos do regime militar,
a partir da ótica de um grupo de crianças, que tornam-se adolescentes e depois
adultos, tocar de modo sensível e descontraído nessa ferida aberta e ainda sangrante
da nossa história.
Assim como Bailei
na Curva, habitam meu imaginário poético reflexivo filmes como Verdes Anos, Em
teu Nome, Amores de Chumbo, O ano em que meus pais saíram de férias, Feliz Ano
Velho, entre outras tantas narrativas necessárias. São histórias que me tocam
profundamente, pois sei que para além da poesia da narrativa ficcional estão
histórias reais.
Não é possível
olhar para toda essa obra narrada, escrita, cantada, ouvir os relatos dos sobreviventes
e dizer que nada daquilo existiu. Não é possível olhar para tanta violência e
deixar pra lá. É inacreditável haver quem queira enaltecer torturadores,
desqualificar a vida, celebrar a dor. Se é verdade que quem planta vento colhe
tempestade, esse plantio de violência verbal, ideológica, armada, vai nos levar
direto para o olho do furacão. É preciso não apagar as páginas tristes da nossa
biografia, é necessário lembrar o percurso inteiro, para que possamos aprender
com a dor - seja minha ou de outra pessoa -, para que não sigamos bailando a
cada curva dessa história.
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