Quarenta anos
atrás, em 1979, o filósofo Michel Foucault publicou no Jornal Le Monde, um artigo
intitulado “É inútil revoltar-se?”. O título proposto por Foucault traz uma
provocação que se renova de tempos em tempos. Com o advento das redes sociais e
a avalanche de afirmações sem veracidade, lançadas assim, sem responsabilidade
alguma, a provocação de Foucault renova-se não só dia a dia, mas a cada nova
postagem. Creio que revoltar-se – não
falo da revolta de adultos mimados, dos rebeldes sem causa, dos que vociferam
em causa própria, dos que ainda não saíram do egocentrismo – é ter empatia.
Empatia não é
colocar-se no lugar do outro, pois isso é impossível, cada experiência humana é
única e intransferível. Empatia é uma disposição pessoal para compreender a
situação experienciada por outra pessoa e sensibilizar-se com ela. Empatia é, a
partir desta sensibilização, ser capaz de estender a mão, ao invés de minimizar
ou ridicularizar seu sofrimento. Empatia não é sentir a dor do outro, mas
tentar compreendê-la, e a partir dessa compreensão, buscar modos de
minimizá-la.
É preciso ser
sensível para ter empatia. Mas ser sensível em tempos opressores é um desafio e
tanto. Ser sensível frente a tanta falta de empatia, frente à aniquilação do
outro, frente às injustiças, à destruição do planeta, à má distribuição de
renda, à falta de solidariedade, ao egocentrismo exagerado, exige um esforço
imenso.
Quarenta anos
atrás, quando Foucault escreveu seu artigo, todas estas questões já estavam postas,
não são questões atuais. Nesses quarenta anos, no entanto, problemas que já
eram graves tornaram-se ainda mais graves, não porque não tivéssemos condições
de minimizá-los, mas porque estamos cada vez menos empáticos e mais ocupados
com nossos próprios umbigos.
Nas redes sociais,
onde cada pessoa habita um lugar relativamente seguro para dizer o que bem
pensa, cada um defende seu ponto de vista como se defendesse a própria vida. E penso
que estamos defender a própria vida mesmo. Afinal, a vida é feita de crenças,
de valores e do modo como a vivemos. A questão é: porque o êxito do outro me incomoda
e sua dor não me causa empatia?
É assustador olhar
para o lado e descobrir que nosso familiar, nosso amigo, vizinho ou colega de
trabalho pode ser essa pessoa. É ainda mais assustador olhar para dentro e
descobrir que somos capazes de ser essa pessoa. Quando somos suficientemente sensíveis
e capazes de analisar racionalmente este sentimento, nos revoltamos. E isso,
penso, é bom.
Penso que revoltar-se
contra a aniquilação do outro, contra todo tipo de preconceito, contra as
injustiças sociais, contra a opressão, contra a violência de todos os tipos,
contra a miséria (do corpo e da essência), não é inútil. Mas é preciso pensar
sobre o que fazemos com essa revolta. Ficamos a destilar ódio ou criamos um
espaço de reflexão e ação? Fazemos dela fonte de raiva ou criamos potência
amorosa? Chamo mesquinhez quando fazemos dela fonte de ódio. Chamo de ativismo
quando criamos potência a partir da desacomodação que produz o sentimento de
revolta. Revoltar-se não é inútil, querido Foucault.
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