Não sei você, mas
eu, sinceramente, já não vejo mais graça em piadinhas que tentam disfarçar preconceitos
indisfarçáveis. Não acho que o humor tenha que ser politicamente correto, mas
tem que ter medida, acertar na dose, não constranger. Alguns programas, que em outros tempos talvez
me fizessem rir, hoje me deixam desconfortável. Algumas “piadinhas” do século
passado, no contexto atual, não fazem mais sentido. O século XXI já é maior de
idade, já é hora de entendermos o limite entre a piada e o constrangimento, entre
o elogio e o assédio.
Fala-se tanto em moral
e bons costumes. Dizem até que os professores não podem falar de temas tabu e que
os livros infanto-juvenis não devem abordar questões complexas. Mas em casa, os
pais assistem novelas com cenas ardentes,
com seus pequenos na sala. Na TV aberta as tardes são repletas de programas
sensacionalistas, que banalizam a vida cotidiana. Telejornais que mostram o
pior dos seres humanos, expondo suas tragédias e desgraças. Em programas de auditório, a plateia ri e
aplaude as bizarrices. A desgraça do outro virou entretenimento, como se quem
assistisse fosse imune a tudo isso.
Este ano, durante a
apresentação do Teleton, maratona televisiva exibida anualmente pelo SBT em prol da Associação
de Assistência à Criança Deficiente (AACD), um programa onde muitos artistas
doam sua arte para ajudar a angariar fundos para a AACD, Silvio Santos – o
“patrão” do SBT – que tem por hábito em seus programas rir da condição alheia e
promover a naturalização desse modo de olhar para o outro como uma categoria
inferior, promoveu um festival de
bizarrices.
Veja bem, não
estou tecendo nenhuma crítica ao Teleton, jamais o faria. Como fisioterapeuta e
educadora, sempre lutei pela causa das pessoas com deficiência. Mas, o que faz
uma pessoa se sentir no direito de constranger as pessoas que foram até lá para
ajudar? Num evento onde o foco era o entretenimento a favor de uma causa
social, onde artistas doam seu trabalho em favor do outro, como pode a soberba,
a falta de gentileza e de bom senso ser maior do que a causa em si?
No dia seguinte, as
redes sociais ferviam falando do assédio sobre a cantora Cláudia Leite, talvez
porque este tenha sido o maior, o mais insistente, o mais constrangedor e
desmedido. Entre tantos desvarios Silvio diz: Não vou te abraçar, porque “esse
negócio de ficar dando abraço me excita e eu não posso ficar excitado”. E as
pessoas riem e a cantora fica constrangida, assim como a esposa e a filha do
apresentador, que estavam na plateia.
Mas não foi só com
Cláudia, para a jovem atriz de cabelos crespos que deseja ser cantora, Silvio
Santos fala: “vai ser cantora com esse cabelo?”. À modelos plus size negra: - “Se eu tivesse que escolher uma, como a mais
bonitinha das gordinhas, eu ia ter dificuldade. Agora, você é muito graciosa,
embora você seja negra, a única negra entre as brancas, você é bonita”. Gente,
sério? Sério mesmo que isso tudo é pra ser engraçado?
Silvio Santos não disse
tudo isso porque está velho, como muitos justificam por aí, ele sempre fez
isso, sempre fez piadas e riu da condição alheia. E não é só ele, muitos
apresentadores perdem a noção do ridículo e as pessoas se submetem, porque
estão tão acostumadas a serem colocadas num lugar de inferioridade, que acreditam
que isso é normal. É assim que “o patrão” e outros tantos patrões, vão às
convencendo de que são menos importantes, que são inferiores. Falam em seus
rádios, em suas redes de TV, em seus altares. E falam tantas vezes, repetem por
tantos anos esse discurso, que as pessoas se deixam entorpecer e passam a
acreditar não em quem são, mas naquilo que lhes dizem que são.
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