Lembro, desde
criança, que meu avô jamais pronunciava a palavra câncer. Era como se a palavra
carregasse consigo um mau agouro. Assim, quando precisava falar “daquela
doença”, utilizava a expressão “doença ruim”. Creio que ele pensava que não
falando da doença, ficaria imune a ela. Ainda hoje muitas pessoas preferem não
ir ao médico, preferem não investigar, não saber. - Melhor não ficar procurando
doença, dizem. Não entendem que muitas doenças, se diagnosticadas precocemente,
podem ser melhor tratadas e até mesmo curadas. Não falar de uma doença não
deixa ninguém imune a ela. Pelo contrário, falar francamente e informar
corretamente é a única chance de um diagnóstico precoce e um tratamento mais eficaz.
Nestes últimos
meses parece ter virado modismo no Brasil censurar livros infantis e infanto-juvenis,
impedir que temas importantes sejam abordados na escola, moralizar discursos,
aniquilar a arte e a cultura, aprisionar o pensamento crítico. Veja bem, não
querer que crianças descubram o medo, a morte, a dor, por meio da literatura,
assim como proibir que os jovens falem - de forma mediada pelo adulto - sobre
drogas, sexo, gravidez precoce, entre tantas temáticas que lhes desperta a
curiosidade, não é protegê-los, muito pelo contrário, isso os deixa frágeis
frente às adversidades da vida. Como enfrentar monstros bem maquiados se nunca lhes
foi dito que monstros existem e que podem se disfarçar muito bem?
Não falar sobre
temas inquietantes é como não falar da doença ruim. Não falar em estupro, por
exemplo, não vai evitar que uma criança ou jovem seja estuprado, vai apenas
deixá-los mais expostos. Por desconhecerem, por não saberem que há limites e regras
de comportamento e que as pessoas de todas as idades, até mesmo adultos,
familiares, amigos, devem respeitar essas regras, tornam-se presas fáceis, frágeis.
Para prevenir é preciso falar. Não basta punir o criminoso, pois isso não
evitará a dor, nem eliminará o trauma de quem foi submetido a este ou outro
tipo de violência. É preciso evitar que violências aconteçam, que se
multipliquem e deixem danos irreparáveis nas vidas das pessoas.
O diálogo e a
informação são as melhores ferramentas para educar, seja em casa, na escola, na
roda de amigos. A escola, no entanto, tem papel fundamental em apresentar a
informação de forma contextualizada. Promover a discussão de temas polêmicos,
permitir o acesso à literatura de qualidade, fomentar o pensamento crítico, não
é doutrinação. Doutrinar é o contrário disso, doutrinar é incutir ideias e
atitudes que não permitem ao outro enxergar o mundo pelas próprias lentes, mas
apenas pela lente do doutrinador. A doutrinação diferencia-se da educação
especialmente pelo fato de que se espera que a pessoa doutrinada nunca
questione ou analise criticamente o que lhe é ensinado.
Esse discurso
pronto que estamos a ouvir com olhos e ouvidos por aí, que rotula professores
de doutrinadores, chama artistas de vagabundos e agricultores de bandidos é
tóxico, descontextualizado e perigoso. Um projeto de lei que busca colocar
antolhos nos alunos e mordaça nos professores, fragiliza uma sociedade inteira,
porque tira de nossas crianças e nossos jovens a capacidade de reconhecer o
perigo, de criar estratégias de prevenção e defesa para os muitos tipos de
violência. Nossa sociedade está doente de muitas formas e não falar de suas
doenças ruins não impedirá que o câncer avance, mas tornará impossível qualquer
tipo de tratamento, precoce ou paliativo.
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