Quando eu era
criança gostava de comer apenas a clara do ovo, depois de um tempo preferi a
gema, hoje como o ovo inteiro, preparado de diferentes formas. Enquanto eu
preferia o ovo preparado de um jeito, depois de outro, a ciência provou que o
ovo era um veneno, depois que era antídoto. Foram tantas as controvérsias sobre
o tema que Luís Fernando Veríssimo certa vez escreveu que deveria receber algum
tipo de indenização pelos ovos que deixou de comer.
Na vida é assim,
volta e meia mudamos de opinião – e podemos mudar –, especialmente depois que
experimentamos novas possibilidades, conhecemos novos fatos, ponderamos nossas
escolhas. Mudar de opinião pode ser sinal de amadurecimento, quando decorre de reflexão,
análise crítica, ponderada e consciente.
Mas é preciso
lembrar que as crianças também mudam de opinião com bastante frequência, mudam
até as regras da brincadeira porque não gostam de perder ou ficam chateadas. Quando
sentem-se acuadas, crianças pequenas não discutem, apenas reagem. Se o “melhor
amigo” faz algo que não gostam, deixam de ser melhores amigos para se tornarem
arquirrivais em uma fração de segundos.
O mundo virou um Jardim
de Infância com uma professora muito rígida e que pouco entende de crianças. Reflete-se
pouco, dialoga-se menos ainda e a leitura crítica/ contextualizada é precária.
Não sei se é falta de aptidão leitora ou falta de vontade de compreender o
texto (escrito, falado, desenhado) em um contexto mais amplo.
Se interpretamos
toda opinião alheia como uma crítica pessoal, estaremos reduzindo a lente pela
qual contemplamos o mundo, escolhendo olhar para todo dito por um viés estreito
e reducionista. Faremos como as crianças, que quando ainda pequenas só
conseguem pensar o mundo colocando-se como centro dele.
Andamos a viver
uma fase um tanto egoica da nossa história, onde todo posicionamento é
interpretado não a partir de fatos, evidências históricas ou científicas, mas a
partir do que cada um pensa ser a verdade absoluta. Assim, aquilo que me agrada pela manhã, pode
me ser muito indigesto à tarde e indesejado à noite.
Vejo, com
frequência, pessoas exaltarem ardentemente o trabalho de um escritor, cartunista,
colunista, num dia e criticarem raivosamente no dia seguinte, sendo que muitos
destes profissionais tem em sua arte uma digital impressa, são coerentes no
modo pelo qual olham o mundo, não ficam flutuando.
Foi o que
aconteceu esta semana com o brilhante Alexandre Beck, autor das tirinhas do Armandinho.
Uma tirinha que sempre foi marcada pela sensibilidade e também pela
criticidade. Armandinho e sua turma são crianças super antenadas e
questionadoras. Através de seus personagens, Alexandre Beck faz, em apenas três
quadrinhos, uma síntese de situações que lemos cotidianamente nos jornais, nas telas
de nossos computadores e TVs. Suas tirinhas não inventam, apenas traduzem em
outra linguagem o que está dito de muitas formas e é sabido por todos.
O Armandinho
tornou-se um personagem conhecido não porque é uma criança fofa, mas porque é,
assim como a Mafalda, um personagem questionador, problematizador. Como esperar
que uma criança questionadora seja seletiva? Criança questiona tudo, que é para
entender o mundo e suas engrenagens. Como não temer um futuro onde professores,
artistas e crianças são ameaçados apenas por pensarem? Queremos mesmo um mundo
onde o pensamento crítico seja um ato subversivo?
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