Noite
passada minha amiga Elaine Maritza escreveu em sua linha do tempo no Facebook:
“Quem lê e não é tocado a ponto de olhar diferente e mais demorado para a vida
com todas as suas nuances de gente, radicalizando, a cada leitura, sua
capacidade de colocar-se no lugar do outro, não é leitor, é LEDOR. Lê, às
vezes, por força da profissão, pra ser "bacana", pra contar que lê e
pra mostrar o que lê, sem de fato ter lido. Vence páginas. E só”.
Sei
(sabemos) que por definição “leitor” e “ledor” são palavras que tem uma mesma
origem, mas ganham significados diferentes, que podem ser ainda mais distintos
e diversos, dependendo do contexto em que são usadas. O uso da expressão “ledor”
vem tornando-se muito habitual e sua função bastante conhecida, devido ao árduo
trabalho do movimento inclusivo na educação. O “ledor” é um profissional
necessário para garantir a acessibilidade de alunos cegos e deficientes visuais
aos conteúdos escolares, tanto na escolarização básica como no ensino superior.
“A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência em seu artigo 9 destaca a
figura do ledor como sendo assistência humana, como forma de assegurar a
igualdade de oportunidades”.
Creio,
no entanto, que quando escreveu sua percepção sobre ser/estar leitor ou ledor,
minha amiga tenha usado a expressão “ledor” num outro sentido, que diferencia o
engolidor de palavras daquele que às saboreia, que se permite ser outro no
mundo através da experiência leitora. Nossa linda língua portuguesa é
absolutamente polissêmica, ou seja, nos permite aplicar uma multiplicidade de sentidos a uma
mesma palavra. Daí muitas vezes as confusões que podem até criar um embate
teórico, pois uma mesma expressão num determinado contexto pode ganhar um
significado muito distinto em outro.
Hoje
pela manhã, relendo os dois primeiros textos do livro “Educação dos sentidos e
mais...” (Rubem Alves, 2005) e pensando na escrita da minha amiga, creio que o
que a Elaine estava dizendo é que pode-se ler um livro com óculos guardados na
Caixa de Ferramentas ou óculos guardados na Caixa de Brinquedos. A Caixa de
Ferramentas, segundo Rubem Alves, é da ordem do uti, são utensílios e ferramentas inventados com alguma função
utilitária para o ser humano. A ordem do frui,
ao contrário, é a ordem do amor – coisas que não são utilizadas, que não são ferramentas,
que não servem para nada. Elas não são úteis; não inúteis. Porque não são para
serem usadas, mas para serem gozadas”, diz nosso poeta.
Nesta
perspectiva poética creio que os “ledores”, os quais menciona Elaine Maritza,
leem com óculos guardados na Caixa de Ferramentas. Sabem ler para si e para
outros, mas não desfrutam, não se deixam levar, não fruem nem fluem. O
verdadeiro leitor usa óculos da Caixa de Brinquedos, é capaz de desfrutar,
digerir, aprender e compartilhar. Um bom ledor (aquele que realiza atividades
de leitura no campo da educação, para pessoas com deficiência visual) há de ser
um bom leitor!!
Fontes:
ALVES,
Rubem. Educação dos sentidos e mais... Campinas, SP: Versus, 2005.
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