Quem
tem filhos, sobrinhos, netos, quem trabalha com a infância e, sobretudo, quem
gosta de crianças, deseja que o tempo da meninice seja um período rico em oportunidades
de aprendizagem, para que os pequenos possam crescer e desenvolver-se. Precisamos,
no entanto, cuidar dos pequenos, para que se aventurem sem se machucar muito,
cuidar do que comem, para que se alimentem adequadamente, verificar se a roupa
está adequada para a temperatura, monitorar os programas que assistem, as
músicas que ouvem, os jogos que jogam.
Adultos
adoram dizer que na sua época as coisas eram diferentes, que não havia essas
músicas, esses programas, esses jogos. Essa é uma ideia mais ou menos verdadeira,
pois as crianças “na nossa época” eram igualmente curiosas, o que não tinha era
tanta oferta. O monitoramento era mais fácil pela escassez da oferta do que
pela falta de curiosidade.
É
preciso, no entanto, saber a diferença entre monitorar e engessar. Quando quebramos
uma perna, por exemplo, e se faz necessário colocar gesso, duas coisas
acontecem, a perna fica sem poder movimentar-se (o que é necessário para o
processo de cicatrização) e com a falta de ação os músculos perdem o trofismo e
ficam mais fracos. Fazendo uma analogia com a situação da perna fraturada, quando
cuidamos de nossas crianças “engessando” sua criatividade e curiosidade,
enfraquecemos muito suas possibilidades de aprendizagem real.
A
infância é o período da vida onde a fantasia tem uma dimensão importante para o
aprendizado. As crianças que sabem fantasiar têm a possibilidade de aprender
sobre as durezas da vida a partir da ficção. A literatura infantil, por
exemplo, é um terreno seguro para vivenciar experiências difíceis, para
aprender a ter empatia, para saber que não podemos tudo, que o mau pode ser
vencido.
A
criança, porém, questiona. E o adulto, muitas vezes, não se sente confortável
com as perguntas - e responde-las também toma tempo -, por vezes é necessário
admitir que não sabemos tudo sobre tudo no mundo. E como é difícil para os
adultos admitir não saber tudo sobre tudo! Tão difícil quanto compreender que tirar
da vida das crianças aquilo que lhes perturba enquanto adultos, por não saber
como lidar com as perguntas, com as inquietações, é limitar o aprendizado, é
engessar o pensamento, mas não é, de modo algum, proteger.
Uma
criança que não sabe que cachorros podem morder, estenderá a mão para acariciar
todos os cães e poderá se machucar. Uma criança que não sabe que os carros não
irão parar porque ela quer atravessar a rua, morrerá atropelada. Uma criança
que não tem ideia que o próximo passo pode leva-la penhasco abaixo e que isso
será fatal, se lançará sem medo nessa aventura.
Adultos precisam
ensinar as crianças a diferença entre fantasia e realidade, mas para isso não
precisam tirar a fantasia da vida dos pequenos, fazendo-os viver apenas a
realidade. Gilbert Chesterton disse certa vez que os “contos de fada não dizem
às crianças que dragões existem. Crianças já sabem que dragões existem. Contos
de fada dizem às crianças que dragões podem ser mortos".
Ao contrário do
que muitos pensam, uma infância sem fantasia, sem uma literatura para a
infância que lhes mostre que monstros, dragões, bruxas más, lobos maus, zumbis
e outros tantos seres podem ser vencidos, presos ou castigados, deixa nossos
pequenos frágeis, expostos a lobos maus, bruxas más, vampiros e zumbis do mundo
real, que andam sempre muito bem disfarçados de bons seres humanos.
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