Cada vez que escrevo algo, sou
responsável pelo que escrevo, mas não pelo que cada um entende do que lê na
minha escrita. Assim são as palavras e assim são as pessoas. Cada um que lê um
texto – um livro, uma entrevista, uma reportagem – o faz a partir da sua
história de vida, das suas concepções e percepções acerca da vida.
Quando lemos algo que vai ao
encontro dos nossos princípios, há uma grande chance de gostarmos do que lemos,
porque logo assimilamos e nos identificamos. Por outro lado, quando lemos algo
que colide ou não se encaixa como um lego com o que pensamos, há uma grande
chance de reagirmos abruptamente ao que lemos.
Vivemos um tempo em que muitas
pessoas escolhem uma bandeira para levantar, uma causa por que lutar. E isso é
bom, principalmente quando o fazem com sabedoria e sem raiva. Alguns conseguem,
outros não. Acho triste quando alguém coloca a sua causa acima de todas as
outras e exige que o resto do mundo pense do mesmo modo, lute pela mesma causa
e da sua maneira. É neste momento que surge esse pensar fragmentário: “se você
não está comigo, está contra mim”. Convivemos todos os dias com pessoas assim.
Semana passada o cantor Ney
Matogrosso, em entrevista à Folha de São Paulo, ao ser perguntado se em algum
momento considerou-se representante de uma minoria, respondeu: “ Eu não defendo
gay apenas, defendo índios [o Ney participou a pouco de um vídeo, junto com
outros artistas, pedindo a demarcação de terras indígenas], defendo negros
[...]. Me enquadrar como “o gay”, seria muito confortável para o sistema. Que
gay o caralho. Eu sou um ser humano, uma pessoa. O que eu faço com a minha
sexualidade não é a coisa mais importante da minha vida”.
O Ney é um profissional com quase
45 anos de estrada e que deu a cara a tapa desde o início da carreira, apenas
sendo quem é. Está com 75 anos de idade e tem muita lucidez sobre o que fala.
Se concordo com tudo que ele fala? Posso não concordar, mas preciso ser
coerente.
Houve, após a entrevista, quem
dissesse que o Ney é “um artista genial que perdeu o andar que o mundo tomou,
ficou cristalizado”. Sério?! Cristalizado?! Penso que ser coerente e entender
que há muitas minorias que são maioria nesse país de tantas desigualdades e não
‘cristalizar-se’ frente a uma causa apenas, negligenciando todas as outras é
ser razoável e lúcido.
Cada um tem o direito de
investir seus esforços nas causas que mais lhe sensibilizam e também escolher o
modo como se sente mais eficiente ajudando a causa que apoia. Se eu não levanto
a sua bandeira como você escolheu levantar, não significa que esteja contra ela
ou contra você.
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