Faz dias que penso sobre o que
escrever. Não pela falta, mas pelo excesso de informações para processar. Este
é o texto de número 15 que escrevo para esta coluna, 15ª partilha de
sentimentos, pensamentos, acontecimentos. Socialmente, números quíntuplos são
sempre de muita celebração. Mas esta semana temos pouco a celebrar socialmente.
Quando não sei por onde começar um texto, busco sempre a arte, que me faz
transbordar.
A música sempre me é
transbordante e hoje começo o dia ouvindo e cantando o que me faz sentido nesse
momento. “Admirável Gado Novo”, mais conhecida como “Vida de Dado”, do Zé
Ramalho, foi escrita em 1979. “Admirável Gado Novo” é poética, verdadeira, triste
e assustadoramente contemporânea. Poderia ter sido escrita essa semana e
ilustraria o agora. O fato das músicas das décadas de 70 e 80 serem tão
contemporâneas me assustam, me fazem ter certeza de que estamos retrocedendo. O
passado é para ser lição e não repetição.
E assim canta o Zé: “Vocês que
fazem parte dessa massa, que passa nos projetos do futuro/ É duro tanto ter que
caminhar/ E dar muito mais do que receber/ E ter que demonstrar sua coragem, a
margem do que possa aparecer/ E ver que toda essa engrenagem, já sente a
ferrugem lhe comer/ Eh ôô, vida de gado/ Povo marcado, ê Povo feliz/ Eh ôô,
vida de gado/ Povo marcado ê Povo feliz”.
Há que se seguir em frente,
mesmo marcados, buscando preservar ao máximo a essência e alguma alegria. Ser
feliz em tempos de caos é tarefa árdua. A cada amanhecer é uma enxurrada de
notícias desanimadoras. Professores sem receber seus salários e com direitos conquistados
lhes sendo roubados. Artistas sendo chamados vagabundos e tratados como
delinquentes. Quem rouba o pão para o filho vai para a cadeia, enquanto quem
rouba uma nação sai ileso. Avanços sociais são jogados no lixo. Uma reforma
trabalhista que nos coloca de volta no caminho da escravidão, sem direito à
aposentadoria - (pois quem viverá por tanto tempo em condições tão adversas?),
o que limitará o acesso ao mercado de trabalho aos jovens num futuro próximo,
pois os velhos não poderão se aposentar, - é aprovada sem diálogo com a
população e com aplausos daqueles a quem cabresteia.
É triste ver o país e o mundo
engatando a marcha à ré de modo tão acelerado, como um bonde guiado por falsos
profetas, que se dizem cidadãos do bem, tudo em nome da moral e dos bons
costumes e do combate à corrupção. Estranho é que esses senhores nunca se
incluem nas leis que eles mesmos criam. Se fossem tão boas assim, porque eles
ficariam de fora? Esses senhores do poder engordam suas contas bancárias por
meio da corrupção que dizem combater, amparados por um judiciário não menos
corrupto, que respalda seus desmandos sobre o povo, que vai sendo conduzido
como gado para o matadouro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário