Você leu certo, o
título desse texto está correto. Ainda que a felicidade possa morar perto da
ludicidade, a pergunta neste momento é: onde mora a ludicidade? Há quem pense que
a ludicidade mora nas brincadeiras das crianças ou nos brinquedos infantis. Que
o elemento lúdico encontra-se num objeto, lugar ou tempo. No entanto, a
ludicidade faz parte da vida. Uma brincadeira, uma aula, uma roda de conversa,
um sarau, um brinquedo, um esporte, um filme, um museu... Todas essas coisas,
lugares, situações, são potencialmente lúdicos, mas não são lúdicos em si.
Para responder a
esta questão, se o lúdico pode ou não estar presente num jogo, numa
brincadeira, na escola, num abraço, é preciso antes definir o que é
"lúdico". Este é um dos pontos abordados pela filósofa Suzana Guerra
Albornoz, em seu artigo “Jogo e trabalho: do homo ludens, de Johann
Huizinga, ao ócio criativo, de Domenico De Masi”. É preciso, diz Suzana, em
primeiro lugar, tomarmos consciência de haver um sentimento do lúdico. Essa
tomada de consciência, ver onde há ou não o lúdico, é da ordem do sujeito e,
por isso, uma experiência muito pessoal. Numa situação de jogo, por exemplo,
“para um jogador que está preocupado, sofrendo muito, em tensão, talvez o jogo,
não tendo mais prazer, não retenha mais o elemento de ludicidade; mas para
outro que está ganhando, para quem há o prazer de estar perto da vitória,
possivelmente o lúdico é possível. Assim, a noção de lúdico aparece ligada à de
prazer”
Simpatizo com a
ideia de que “a noção de lúdico aparece ligada à de prazer”. Ela pode ampliar
muito o modo como passamos a olhar para a vida. O lúdico pode estar presente no
momento de lavar a louça, fazer uma comida, jogar uma partida de xadrez, fazer
um bordado, ler um livro, jogar ou assistir uma partida de futebol, vôlei,
basquete ou frescobol. O lúdico está presente na nossa disposição e capacidade
de sentir prazer com o que estamos a fazer e não na situação em si.
Penso que com as
crianças ocorre o mesmo. Pouco adianta ter um quarto repleto de brinquedos
caros, se eles estão lá para decorar as paredes. De nada serve ter muitos
jogos, se ninguém senta com ela para jogar. Brinquedo que não é brincado é
objeto de decoração. Jogo que não é jogado é sucata. Nenhum jogo ou brinquedo é
em si um recurso lúdico. A ludicidade está no prazer que obtemos ao jogar, ao
brincar, ao partilhar e significar nossos momentos.
A ludicidade nos
acompanha, em todos os momentos da vida, na medida em que conseguimos ver
sentido e encontrar prazer naquilo que estamos a fazer. Quando conseguimos
olhar para a vida com mais ludicidade, aprendemos e ensinamos mutuamente e a
todo instante, seja na partilha do tempo com outro ser vivo, ou quando nos
permitimos ser nossa melhor companhia.
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