O Projeto
de Lei n° 7232/2017, que visa regulamentar a Profissão do Contador de
Histórias está gerando muita discussão. Uma discussão necessária para um tema que carece de diálogo coerente. O diálogo está bastante tenso, precisamos de delicadeza, gentileza e cautela neste momento. Um dos parceiros de jornada que tem me alegrado com suas colocações é o Warley
Goulart, do conhecido grupo "Os tapetes contadores de histórias". Pedi ao Warley para compartilhar essa fala dele, que achei preciosa para nossa discussão. Acolho cada palavra!!
“São os nossos sonhos, modos de fazer e
projetos que estão em foco neste momento. E desejo compartilhar com vocês
algumas considerações.
Primeiro, eu acho um certo equívoco associarmos
regularização com valorização. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Toda
vez que leio aqui (ou no documento em questão) os termos
"regularização" ou "regulamentação", defendidos no sentido
de legitimar ou legalizar nosso ofício, tenho a impressão de que alguém pode
vir a crer que, até o prezado momento, nós contadores trabalhamos de forma
irregular. Isto não é verdade. Tanto os que vivem exclusivamente da arte
narrativa ou mesmo os que a tem como extensão profissional, nenhum de nós tem
atuado de forma irregular neste país, seja nos palcos, bibliotecas, salas de
leitura, escolas, festivais, etc. Ninguém tem atuado de forma não-legal. E não
me parece coerente buscar valorização mercadológica, profissional ou até mesmo
espiritual através do verbo "regular". Há exemplos concretos com
profissionais de outras áreas, que podem nos elucidar nesta questão: O registro
de ator, por exemplo. Não há ator no país que tenha conquistado valor
profissional por conta de seu registro. Aliás, ao contrário, há denúncias
constantes de redes de televisão que compram registros de um dia para o outro.
É uma cara bonita na TV, amanhã é ator. E o pior, a tal
"regulamentação" do ator serve, na maioria dos casos, apenas para
burocratizar o trabalho sério de muita gente de teatro. Não gosto de pensar
nisso como um caminho para nós. Não se atém a este projeto. Eu não aprecio a
ideia de qualquer projeto de regulamentação de contador de histórias.
Outro pensamento: É lindo sim ver tanta gente
querida reunida em vários pontos do país. Mas é uma pena constatar que a faísca
deste repentino encontro partiu de um sentimento generalizado de desconfiança.
Nossa atual mobilização não surgiu da união, ela nasceu da desconfiança. E a
desconfiança não é pessoal. A desconfiança está no texto-base do projeto de lei
em questão. Para nós narradores, a palavra oral e/ou escrita tem importância
sem tamanho, por isso acho preocupante que um texto-base sobre este assunto
tenha sido mal redigido e não tenha levado em consideração delicadezas da nossa
arte.
Núcleos de amigos, aflitos no Brasil inteiro,
para corrigir um texto? Corrigir um texto que não deu conta de todos os
narradores? Perdão, mas a força das palavras está em sua sinceridade, não em
sua correção. Começou mal, sim. Não atendeu a todas as instâncias e gerou
desconfiança. Corrigir o texto não me parece uma forma de nos conceder
dignidade profissional. Corrigir um projeto de lei que não considerou esferas
tão plurais, para mim é um erro. Não me parece justo dar contribuições a um
equívoco. Talvez o erro não esteja apenas no texto, mas em ser um projeto de
"regulamentação".
E a terceira e última reflexão que me acomete é
o condicionamento do direito de ser narrador mediante uma formação técnica ou
acadêmica. Isto realmente é um retrocesso. Admiro e muito os projetos de
pesquisa nas universidades, a quantidade de artigos sobre o assunto, a infinita
possibilidade de associações teóricas. No teatro mesmo, há uma linha de
pesquisa sobre teatro narrativo e narrativização que é muito interessante, que
toma o contador de histórias como performer. Amo teoria. Mas amo a não-teoria,
a semente que não se pensa como semente, que apenas quer germinar e ser. Não há
curso exclusivo de sabedoria nas universidades, por isso é sempre importante
descobrir onde e com quem ela possa estar. Se um SESC, por exemplo, contrata um
contador de histórias para um serviço artístico, o próprio contratante terá a
confirmação se valeu a pena ou não, e quanto vale negociar por ele. Se você
fizer valer teu trabalho, teu desempenho, teus estudos, tua didática, teu dom
para escutar e ser escutado, a instituição entenderá o teu valor. Não há
necessidade de regulamentar para conquistar valor. O teu valor está nas
histórias que você escuta, que você conta, que você lê. No meu caso, por
exemplo, a confirmação do meu valor ocorreu no dia em que eu, ainda duvidoso,
escutei de uma mãe de uma criança: “você nasceu para isto!” Sim, eu nasci. E
ganho por isto. Pago as minhas contas com isto. Negocio com isto. Sou convidado
para dar aulas por isto. Costuro para isto. Me apresento por isto. Durmo,
acordo, tomo café da manhã com as histórias e vou morrer embalado por elas
(como todos aqui, sem exceção, estou certo disto).
Enfim... Do ponto de vista profissional, um
projeto de regulamentação não me afetaria em nada. Apenas teria a obrigação de
me regulamentar e ponto. Mas não, eu não simpatizo com a ideia de
regulamentação, porque não quero que uma lei conduza o direito do outro de
descobrir sua forma particular de ser contador de histórias" (Warley Goulart)
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