segunda-feira, 7 de agosto de 2017

WARLEY GOULART FALA SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DO CONTADOR DE HISTÓRIAS

O Projeto de Lei n° 7232/2017, que visa regulamentar a Profissão do Contador de Histórias está gerando muita discussão. Uma discussão necessária para um tema que carece de diálogo coerente. O diálogo está bastante tenso, precisamos de delicadeza, gentileza e cautela neste momento. Um dos parceiros de jornada que tem me alegrado com suas colocações é o Warley Goulart, do conhecido grupo "Os tapetes contadores de histórias". Pedi ao Warley para compartilhar essa fala dele, que achei preciosa para nossa discussão. Acolho cada palavra!!

“São os nossos sonhos, modos de fazer e projetos que estão em foco neste momento. E desejo compartilhar com vocês algumas considerações.
Primeiro, eu acho um certo equívoco associarmos regularização com valorização. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Toda vez que leio aqui (ou no documento em questão) os termos "regularização" ou "regulamentação", defendidos no sentido de legitimar ou legalizar nosso ofício, tenho a impressão de que alguém pode vir a crer que, até o prezado momento, nós contadores trabalhamos de forma irregular. Isto não é verdade. Tanto os que vivem exclusivamente da arte narrativa ou mesmo os que a tem como extensão profissional, nenhum de nós tem atuado de forma irregular neste país, seja nos palcos, bibliotecas, salas de leitura, escolas, festivais, etc. Ninguém tem atuado de forma não-legal. E não me parece coerente buscar valorização mercadológica, profissional ou até mesmo espiritual através do verbo "regular". Há exemplos concretos com profissionais de outras áreas, que podem nos elucidar nesta questão: O registro de ator, por exemplo. Não há ator no país que tenha conquistado valor profissional por conta de seu registro. Aliás, ao contrário, há denúncias constantes de redes de televisão que compram registros de um dia para o outro. É uma cara bonita na TV, amanhã é ator. E o pior, a tal "regulamentação" do ator serve, na maioria dos casos, apenas para burocratizar o trabalho sério de muita gente de teatro. Não gosto de pensar nisso como um caminho para nós. Não se atém a este projeto. Eu não aprecio a ideia de qualquer projeto de regulamentação de contador de histórias.
Outro pensamento: É lindo sim ver tanta gente querida reunida em vários pontos do país. Mas é uma pena constatar que a faísca deste repentino encontro partiu de um sentimento generalizado de desconfiança. Nossa atual mobilização não surgiu da união, ela nasceu da desconfiança. E a desconfiança não é pessoal. A desconfiança está no texto-base do projeto de lei em questão. Para nós narradores, a palavra oral e/ou escrita tem importância sem tamanho, por isso acho preocupante que um texto-base sobre este assunto tenha sido mal redigido e não tenha levado em consideração delicadezas da nossa arte.
Núcleos de amigos, aflitos no Brasil inteiro, para corrigir um texto? Corrigir um texto que não deu conta de todos os narradores? Perdão, mas a força das palavras está em sua sinceridade, não em sua correção. Começou mal, sim. Não atendeu a todas as instâncias e gerou desconfiança. Corrigir o texto não me parece uma forma de nos conceder dignidade profissional. Corrigir um projeto de lei que não considerou esferas tão plurais, para mim é um erro. Não me parece justo dar contribuições a um equívoco. Talvez o erro não esteja apenas no texto, mas em ser um projeto de "regulamentação".
E a terceira e última reflexão que me acomete é o condicionamento do direito de ser narrador mediante uma formação técnica ou acadêmica. Isto realmente é um retrocesso. Admiro e muito os projetos de pesquisa nas universidades, a quantidade de artigos sobre o assunto, a infinita possibilidade de associações teóricas. No teatro mesmo, há uma linha de pesquisa sobre teatro narrativo e narrativização que é muito interessante, que toma o contador de histórias como performer. Amo teoria. Mas amo a não-teoria, a semente que não se pensa como semente, que apenas quer germinar e ser. Não há curso exclusivo de sabedoria nas universidades, por isso é sempre importante descobrir onde e com quem ela possa estar. Se um SESC, por exemplo, contrata um contador de histórias para um serviço artístico, o próprio contratante terá a confirmação se valeu a pena ou não, e quanto vale negociar por ele. Se você fizer valer teu trabalho, teu desempenho, teus estudos, tua didática, teu dom para escutar e ser escutado, a instituição entenderá o teu valor. Não há necessidade de regulamentar para conquistar valor. O teu valor está nas histórias que você escuta, que você conta, que você lê. No meu caso, por exemplo, a confirmação do meu valor ocorreu no dia em que eu, ainda duvidoso, escutei de uma mãe de uma criança: “você nasceu para isto!” Sim, eu nasci. E ganho por isto. Pago as minhas contas com isto. Negocio com isto. Sou convidado para dar aulas por isto. Costuro para isto. Me apresento por isto. Durmo, acordo, tomo café da manhã com as histórias e vou morrer embalado por elas (como todos aqui, sem exceção, estou certo disto).
Enfim... Do ponto de vista profissional, um projeto de regulamentação não me afetaria em nada. Apenas teria a obrigação de me regulamentar e ponto. Mas não, eu não simpatizo com a ideia de regulamentação, porque não quero que uma lei conduza o direito do outro de descobrir sua forma particular de ser contador de histórias" (Warley Goulart)

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