Tenho uma amiga
querida, estudante do quinto ano do curso de medicina, que numa conversa (pelo
whatsApp é, claro) contou-me que, para tentar organizar seus sentimentos,
especialmente neste tempo, onde sua sala de aula (o hospital) tornou-se o lugar
onde há maior risco de contágio por coronavírus, entre outros bichinhos um
pouco menos preocupantes nesse momento, ela escreve em um diário. A escrita,
ainda que pessoal, é sempre um modo de organizar sentimentos e pensamentos.
Minha amiga,
naturalmente preocupada com o momento e perplexa com o modo como tantas pessoas
negam os fatos, as evidências científicas, a experiência dos outros países, a
orientações da Organização Mundial da Saúde e o incrível número de mortos por
COVID-19 em nosso país - que só faz aumentar, com uma velocidade assustadora- ,
e ainda mais espantada com o desrespeito
para com a vida humana e com os profissionais que por ela zelam,
escreveu uma carta endereçada à Sociedade.
Trago para essa
nossa conversa, trechos da carta de minha amiga, para que eles e ela possam nos
ajudar a pensar um pouco melhor sobre tudo isso, pelo olhar de quem está do
outro lado, ajudando a salvar vidas.
“Querida
Sociedade, falo na voz de uma futura profissional da saúde que, todos os dias,
está buscando fazer o seu melhor para ajudar nesse momento crítico em que a
humanidade vive. [...] Durante minha trajetória como interna no hospital onde
concluo meus estudos, observo, para dentro e para fora das paredes do hospital,
pouco de humanidade em nossa espécie. Não refiro-me aos profissionais da saúde,
a eles só tenho elogios, pois, assim como eu, estão longe dos que amam, com
horas de descanso reduzidas, com medo crescente de se contagiar e transmitir
esse vírus para seus familiares e para os que se dedicam a cuidar.
A falta de
humanidade que percebo vem das pessoas que não se cuidam e colocam em risco a
vida dos outros. Dos que se exaltam, sem ao menos tentar compreender o
cotidiano intenso de uma equipe de saúde, que neste momento torna-se ainda mais
tenso e preocupante. Falo daqueles que esquecem que a vida é nosso bem mais
precioso, e que ela deve ser sempre tratada com cuidado e carinho. Não
compreendo porque essas pessoas escolhem não ver os profissionais da saúde como
seres humanos que se dedicam a salvar vidas, preferindo vê-los como inimigos da
economia e da sociedade.
Cara Sociedade, é
pelos seus que estudamos e trabalhamos. Você já parou para pensar na
responsabilidade de ter uma vida nas mãos e nem sempre conseguir salvá-la? Consegue
imaginar a dor e a frustração que sentimos quando uma vida deixa precocemente
este mundo e culpa por não conseguir salvar alguém, que é o amor de outro
alguém?” Será que a você ainda consegue aprender com a Senhora Dona Empatia,
para que não percamos nossa humanidade, Senhora Dona Sociedade?!
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