Um país não é sua
geografia, não apenas sua geografia. Um país é sua gente. É constituído por seu
território e também pelo modo como as pessoas que lá habitam usufruem do seu
espaço e cuidam uns dos outros.
Faz muito tempo
que as pessoas que aqui habitam deixaram de cuidar da terra, da água, dos povos
originários, uns dos outros. Quando cuidam, quase sempre o fazem numa
perspectiva individual, pensando no seu entorno, a partir de suas necessidades,
crenças e princípios.
Ampliar o olhar
para compreender o outro, os outros, o todo, é um exercício difícil para muitas
pessoas e impossível para outros tantos, porque para isso é preciso desejo,
diálogo e ação. Tentar compreender a vida para além do nosso umbigo dá
trabalho. Acontece que, quando olhamos a vida, ou programas de TV, a partir do
nosso mundinho, vamos interpretando os fatos de um modo muito restrito.
No dia primeiro de
março o programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu um quadro que mostrava os
problemas enfrentados pelas mulheres trans, condenadas e cumprindo pena em
penitenciárias do Brasil. Foi feito um recorte, como em todo programa de TV faz.
Havia ali a necessidade de um cuidado de
pesquisa, antes que o quadro fosse colocado no ar. Cuidado este que não houve.
O quadro foi emocionante, a ponto de deixar muitos brasileiros sensibilizados
pelo abraço dado pelo dr. Dráuzio Varella em uma das entrevistas. Minutos
depois o povo emocionado queria Dráuzio para presidente da nação.
Dias depois do
programa ter ido ao ar, veio a público que Suzy, a trans abraçada por Dráuzio,
cumpria pena por um crime hediondo. Pronto, todos que queriam Dráuzio
presidente agora queriam o linchamento público dele.
Dráuzio tem mais
de cinquenta anos de atuação profissional e há mais de trinta anos frequenta
presídios, onde trata da saúde de detentos. A matéria foi feita em vários
presídios, portanto havia um recorte. Que tipo de lógica as pessoas usam para
analisar o que veem? Nossa doença nacional produziu uma grande lesão nas áreas
do cérebro responsáveis pelo senso crítico? Agora é tudo emoção, é tudo olho
por olho dente por dente?
Suzy foi condenada
e está cumprindo pena. Dráuzio estava fazendo seu trabalho na função de médico.
A equipe de jornalismo pisou feio na bola, por não checar os fatos e não pensar
no conteúdo inteiro do que estariam colocando no ar. Dráuzio se desculpou. Mas
as pessoas continuam destilando seu ódio, tão irracional quanto seu amor de
duas semanas atrás.
Como diz a canção
de Caetano “Um amor assim violento/ Quando torna-se mágoa/ É o avesso de um
sentimento/ Oceano sem água”. Penso que andamos a viver de amores e ódios
violentos e secando nosso oceano da razão.
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