quinta-feira, 25 de outubro de 2018

NÃO SOMOS MINORIA (CRÔNICA DA SEMANA)

Cinco, dos meus cinco anos e meio de estudos universitários, trabalhei na Biblioteca da Faculdade. Eu era responsável por datilografar as fichas e etiquetas dos livros novos que chegavam (pois no início dos anos 90 do século XX, ainda não havia sistema informatizado), também por devolver os livros às prateleiras, fazer o empréstimo e devolução no balcão e nas férias, fazer o levantamento dos livros. 
Meu desejo de trabalhar com pessoas com deficiência nasceu antes mesmo da faculdade, por esta razão os livros de neuroreabilitação e atividades físicas adaptadas me despertavam curiosidade. E eu tinha acesso a todos, logo que chegavam à biblioteca. Lembro até hoje de um livro que me chamou atenção, chama-se “Baloncesto para minusvalidos”. Eu já havia descoberto que baloncesto era como se chamava o jogo basquete em castelhano, mas não sabia o que significava minusvalidos. Perguntei então ao bibliotecário, que me disse que era o termo usado para descrever as pessoas com deficiência. Aquele era um livro de basquete adaptado para pessoas cadeirantes. O termo, na época, me impactou e até hoje me incomoda.
Minusvalidos, menos valia, menor valor. Não sei quanto a você, mas a mim incomoda. Hoje há um termo mais comum, usado não só para as pessoas com deficiência, mas também para grande parte da população de nosso país, deficientes, negros, pobres, mulheres, índios, entre outros tantos. A expressão que falo é minoria. No contexto que falo aqui o termo minoria é descrito como “uma categoria de pessoas diferenciadas da maioria social, aquelas que se apegam a grandes cargos de poder social em uma sociedade”.
Veja bem, a maioria social, se pensada numericamente, é uma minoria, uma vez que os muito ricos ou com grandes cargos de poder social são pouquíssimos. As minorias, no entanto, são uma multidão, um mar de gente que teria poder de transformar o mundo, se respeitada. Mas, quando a essa maioria de pessoas (chamada de minoria, por serem consideradas de menor valor, por seus patrões, seus mentores espirituais ou intelectuais, seus familiares) é convencida de que é  menos importante do que outras pessoas em melhor posição social ou econômica, tornam-se frágeis e, portanto, facilmente manipuladas pelo medo, pela fome, pela palavra opressora.
Neste contexto, onde o pensamento crítico e a capacidade de se perceber como sujeito de valor no mundo são roubados da grande maioria das pessoas, qualquer democracia torna-se frágil. Quando o medo do desconhecido é alimentado através de mentiras e o pensamento é aprisionado, seja pela falta de consciência crítica, seja pelo medo de perder seu emprego e não poder alimentar a família, as pessoas tornam-se massa de manobra nas mãos de crianças grandes e mimadas que ganharam poder através do dinheiro, da política ou da religião. Quando isto acontece, a democracia e tudo que ela assegura, está em risco. 

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