Como é bom ficar
em casa, olhar um filminho, comer uma pipoca, dormir até mais tarde, tirar um
cochilo depois do almoço. Como seria bom se tivéssemos mais tempo para brincar
com os filhos, para ler um livro, arrumar o guarda roupas. Num mundo onde a
utopia é possível, todos esses são desejos legítimos. No mundo em que a
distopia é real, tudo isso é um caos.
Há quem diga que
um vírus invisível chegou e colocou tudo no lugar, que as pessoas
passaram a ter tempo, tanto tempo que nem sabem o que fazer com ele, que os
pais estão com os filhos, o trabalho deixou de ser prioridade, as viagens e o
lazer também. Mas, será mesmo esta a realidade para quem está em quarentena?
Na realidade
distópica onde vivo, a vida segue assim: muitas pessoas ainda não entenderam
que estamos numa quarentena e seguem suas rotinas como se ainda estivessem em
férias. Há profissionais que seguem trabalhando a partir de suas casas,
precisando aprender a organizar fazeres profissionais, domésticos e cuidados
parentais, num mesmo espaço e tempo. E há os profissionais que precisam sair de
suas casas para trabalhar (mesmo se expondo e expondo suas famílias a um
possível contágio), para que o mundo siga girando, ainda que um pouco mais lento.
Nessa distopia
onde vivo, há quem diga que o Brasil não pode parar por conta de algumas
milhares de mortes, porque as pessoas continuarão morrendo com ou sem corona
vírus, a economia é que não pode adoecer. Mas, que economia haverá e para quem
haverá economia, quando não estivermos mais aqui? Não é verdade que estamos
todos no mesmo barco. Alguns estão num transatlântico e outros, numa canoa
furada.
Enquanto
alguns românticos dizem que estamos aprendendo a ser mais empáticos por causa
de um vírus, vejo muita gente provando em palavras e ações, quanto o ser humano
não tem ideia do que significa empatia. Ameaçar as pessoas, plantar o medo,
divulgar mentiras, criar teorias conspiratórias, colocar o dinheiro na frente
da vida, desqualificar a ciência, colocar-se acima do bem, do mau e do vírus,
não é ser empático.
Empatia é
estender a mão, ainda que virtualmente. É claro que nesse mundinho distópico
aqui, não há apenas zumbis e dementadores. Nele também mora muita gente bacana,
como os cientistas, que mesmo pouco valorizados e reconhecidos, buscam modos de
minimizar os estragos desse bichinho e salvar vidas. Moram também os
profissionais da saúde e do cuidado, que estão na linha de frente, zelando pela
vida e cuidando das pessoas. Nobres vizinhos são os profissionais da
alimentação e da limpeza, que trabalham para que a vida seja menos caótica pra
todo mundo.
Moram aqui
também os educadores, que mesmo longe de seus alunos, tentam aquietar os
corações e orientar pais e estudantes, na medida do possível, através de suas
redes. Os artistas que vivem aqui, nunca trabalharam tanto (e sem nenhum cachê),
fazendo vídeos e lives diárias para trazer leveza à vida cotidiana. E há
também alguns empresários que, cientes de seu papel social, ao invés de ameaçar
e plantar o medo, estendem a mão para ajudar a minimizar os estragos desse
tempo que não sabemos quanto tempo tem. Quando esse tempo aquietar, alguns
terão aprendido a ser mais empáticos, outros saberão que nem todos aprenderam.
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