A arte sempre fez parte da minha vida,
especialmente a música e literatura. Eu não toco nem caixinha de fósforo, mas
meu pai era um exímio guitarrista e ainda arrisca seus solos no violão. A casa
dos meus pais sempre foi muito musical, meu pai ouvia rock instrumental e
orquestras, minha mãe gostava de Roberto Carlos e Elis Regina. Eu
virei o mix dos dois e vivi a efervescência do rock nacional dos anos 80.
Minha banda favorita, desde a adolescência, sempre
foi a Legião Urbana. De todos os discos, Legião Urbana Dois é o meu preferido.
Na última faixa do Legião Urbana Dois, Renato Russo canta, com sua voz
grave: Quem me dera ao menos uma vez/ Provar que quem tem mais do que
precisa ter/ Quase sempre se convence que não tem o bastante/ Fala demais por
não ter nada a dizer.
Legião Urbana é tão anos 80 e tão 2021 que nem sei
explicar. Nem precisa de explicação, é só cantar, pensar e sentir. Legião
Urbana não é incontestável, mas é real demais. E ser real demais em tempos de
falsas verdades, é um perigo. Talvez, por esta razão, tenta-se desacreditar a
arte, a educação, a ciência, bem como os artistas, os educadores e os
cientistas.
Que mundo bacana seria este se nossos jovens
aprendessem a ler e compreender o que leram em livros, letras de músicas e
obras de arte. Se esse exercício de ler e presumir, ouvir e discutir, observar
e refletir, fosse uma constante na vida cotidiana de nossas crianças e jovens,
seria suficiente para que soubessem distinguir realidade de ficção, metáfora de
pensamento concreto, verdades de falsas verdades.
Em 2016 o Dicionário Oxford cunhou um termo que
resume esses tempos estranhos e paranoicos que andamos a viver no Brasil e no
mundo. A pós-verdade (post-truth) denota circunstâncias em que os
fatos objetivos têm menos influência na opinião pública que o apelo às emoções
e às crenças pessoais.
Em tempos de Fake News já não importa que a
notícia veiculada seja falsa, contanto que ela se encaixe no que eu acredito,
naquilo que eu sinto que deva ser a verdade. Penso que essa é a síntese da pós-verdade.
No mundo da pós-verdade já não são os fatos que organizam as coisas e sim as
percepções e os sentimentos, por mais absurdos que eles possam ser.
Em época de pós-verdade, não há como contestar
qualquer argumento com fatos ou evidências científicas, uma vez que esta se
sustenta em achismos e não em evidências. A pós-verdade tornou o diálogo
impossível. O mundo evoluiu até aqui com a ciência porque ela é questionável,
porque suas verdades não são absolutas. Mas no mundo da pós-verdade, se eu achar
que é, então é. E não há como contradizer isso, pois eu não preciso provar
nada, preciso apenas sentir que algo é verdade. Tudo que a pós-verdade não é, é
libertadora.